terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

Moonlight (2016)


De vez em quando lá aparece um ou outro candidato aos grandes prémios de cinema do ano, mais ou menos independente, que arrisca na forma, arrisca no conteúdo e faz quase tudo com toda a excelência e propriedade que lhe é exigível, superando a sua condição de mero produto de entretenimento cinematográfico para se tornar algo de sensitivo, agitador, provocador e quase desafiante. Em 2016 esse filme é Moonlight, ainda que não esteja isento de imperfeições. Focado numa comunidade afro-americana em Miami, onde reinam as drogas, a desigualdade social e a falta de oportunidades, Moonlight acompanha Chiron, um miúdo que não se insere no seu contexto, ao longo de três fases da sua vida, criança, adolescente e jovem adulto. E é tudo isso que é preciso dizer, uma vez que o contexto e a temática central (que na verdade é apenas a superfície de algo mais profundo) é apenas quadro para uma reflexão maior, sobre a dificuldade de remar contra a corrente seja em que contexto for, sem facilidades dramáticas, com a frieza e o corte necessários para que tudo tenha o peso e medida adequados. No entanto, é certo que não basta uma boa ideia para fazer um bom filme, e é nessa ornamentação formal que Moonlight se torna visualmente um dos filmes mais interessantes do ano, e de entre os nomeados para melhor filme sem dúvida o mais criativo. A camera do realizador Barry Jenkins é notável ao colocar-se ao nível de Chiron, sempre rodeada por uma moldura onírica, quase surreal, de lágrima embaciada por uma tristeza e revolta interior que nunca se chega a exteriorizar, aqui um pouco como Casey Affleck em Manchester by the Sea. É curioso como apesar de ser um filme independente, bastante distante de todos os outros de que se tem falado, Moonlight se aproxima tanto de alguns deles, como por exemplo de Lion, ao acompanhar a personagem principal em momentos distintos da sua vida. Enquanto no referido filme a transição não é bem acompanhada pelo actor protagonista, em Moonlight a conversa é outra. Parece que o pequeno Alex Hibbert, o adolescente Ashton Sanders e o adulto Trevante Rhodes partilham o mesmo sangue e os mesmos trejeitos, os mesmos sentimentos, enfim, o mesmo coração, ao interpretar Chiron. É verdadeiramente notável, particularmente quando observamos Rhodes no terceiro acto da película, totalmente diferente em moldura corporal às duas versões que havíamos observado antes (a negação psicológica que altera completamente o físico e a postura de Chiron é um murro no estômago do espectador), mas a pouco e pouco cada vez mais idêntico emocionalmente à criança tímida que não diz mais que 3 palavras seguidas do primeiro acto. Acrescenta-se um magistral Mahershala Ali e uma muito boa Naomie Harris, ambos nomeados para melhor actor secundário. Um figura paternal, protectora, que mergulha na praia de Miami ensinando o pequeno a nadar, falando-lhe da Lua; a outra figura destrutiva, frágil e fragilizante, que habita os terrores inconscientes de Chiron. A única coisa mais palpável que falta a Moonlight é talvez a química entre os actores que protagonizam o segmento final... No fim fica uma imagem que pode levantar algumas questões sobre a postura do próprio espectador... E isso é excelente.

Porque é bom: Formalmente excelente, Moonlight oferece uma cinematografia de excelência, interpretações sensíveis e exactas, e um ritmo pausado adequado, algures entre o documental e o dramático; temática sensível e agitadora que serve como mero exemplo para tantas outras iguais a elas.

Porque é mau: Existe alguma falta de química e inconsistência de ritmo no segmento final.

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