segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

Lion (2016)


O bom de Lion é a sua capacidade de tocar o espectador com uma história bela e inspiradora sem utilizar grandes artifícios de manipulação barata, ainda que tenha alguns. Não há qualquer problema em levar uma história destas ao cinema se enquanto objecto fílmico o produto final tiver algo de interesse, e a verdade é que Lion tem elementos de grande destreza, ainda que apresentados de forma desequilibrada e por vezes demasiado protectora para com um público que o filme prefere que seja abrangente. História verídica, Lion fala de um rapazinho indiano (o menino fofíssimo na imagem) que se perde da sua família para apenas a reencontrar 25 anos depois, tendo sido entretanto adoptado por um casal australiano com todas as comodidades sociais de classe média. O primeiro segmento do filme, a odisseia do pequeno Saroo perdido, interpretado com habilidade pelo pequeno actor Sunny Pawar, é de longe o melhor do filme, com excepção de um apontamento específico que veremos adiante. Cinematograficamente interessante, observamos nesse momento, ainda que muito ao de leve e com algum floreado romanceado, algumas infelizes realidades da desigual sociedade indiana, desde o tráfico de crianças, à fome e à falta de trabalho digno. Uma espécie de aventura de criança num Mundo desconhecido com alguns toques de amargo que fazem desse segmento do filme algo de inocente e cândido, sempre através dos olhos do corajoso Saroo de 5 anos, levada ao espectador com muito mérito. A partir daí começam os desequilíbrios e as contradições. Saroo já é crescido, o filme já está a ser falado em inglês, como se quer, e já temos Dev Patel, que aparentemente é o único actor indiano razoável em Hollywood uma vez que mais nenhum tem oportunidade de aparecer, a protagonizar o filme. A magia do conto corajoso e floreado da criança perdida que nos estava a agradar até então esfuma-se e em substituição temos um amor irrelevante, caído do céu aos trambolhões e para o qual o espectador não se podia estar mais a "marimbar", com uma Rooney Mara completamente subaproveitada (crime!) qual fardo de palha que se coloca no filme para encher chouriço, numa tentativa fracassada de adensar a luta interior da personagem principal que decidiu tentar encontrar a aldeia de onde é natural. Há ainda a relação com o irmão adoptado, que pura e simplesmente não é desenvolvida ,mas que aparentemente deveria ser um foco dramático relevante para o espectador, que nunca o sente. Não é suficiente e Dev Patel não tem o estofo necessário para trazer até nós a personagem que estávamos a acompanhar desde então, em formato miniatura. Nem mesmo colocando um capuz como quem está "a tramar alguma" ou vivendo sozinho num apartamento desarrumado onde parece não haver chuveiro. Quem tem estofo, e agora sim o melhor do filme, é Nicole Kidman, com uma belíssima interpretação que numa cena em particular de diálogo com Dev Patel aumenta a fasquia vertiginosamente (e talvez seja aí que recebe a sua nomeação para melhor actriz secundária) e coloca a nú as fragilidades do que estávamos a ver até então. A recta final também não beneficia de particular solidez, num apressar de acontecimentos para uma exploração baratucha de sentimentos em formato clímax que, claro está, fará o espectador suster a respiração. E bem, porque é isso que se quer, e cumpre a sua função social e pedagógica. Enquanto filme, apesar de alguns momentos francamente muito interessantes, quase todos reunidos na primeira parte, é demasiado desequilibrado e Dev Patel está longe de dar conta do recado.

Porque é bom: Primeiro segmento criativo e interessante, com uma hábil interpretação do pequeno Sunny Pawar a liderar uma odisseia num Mundo adulto desconhecido; belíssima interpretação de Nicole Kidman que sobe a fasquia vertiginosamente; tem um papel social a desempenhar e assume-o q.b.

Porque é mau: Depois de um muito bom Sunny Pawar, de 5 anos, Dev Patel está longe de ter o carisma necessário para carregar o resto do filme; Rooney Mara é um fardo irrelevante para o argumento; desequilibrado em ritmo e desenvolvimento, o espectador não consegue sentir a luta interior da personagem principal através de Dev Patel, apenas transportando a motivação que já havia sido transmitida pela odisseia do pequeno Saroo no primeiro segmento do filme.

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