quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

Arrival (2016)


Não se pode dizer que Denis Villeneuve, o homem responsável por dirigir a sequela de Blade Runner, tenha alguma vez realizado um mau filme. No entanto aquele que mais se destacou, pela sua segurança e sobriedade, foi sem dúvida o mais recente, Sicario, onde observávamos uma Emily Blunt entregue aos lobos numa espécie de "safa-te" em cenário amargo real de tráfico de drogas na fronteira com o México, construído com base numa tensão quase sem paralelo no cinema americano recente. Em Arrival a fórmula adapta-se à ficção científica, com o súbito aparecimento de naves criativamente desenhadas um pouco por todo o globo, estáticas, que não demonstram agir ou reagir e cujas intenções são desconhecidas. A mulher lançada aos lobos em Arrival é Amy Adams, uma linguista cujo objectivo é comunicar com os misteriosos ocupantes da nave que pousou nos Estados Unidos. Quase tudo em Arrival é bastante criativo, quase tudo está solidamente bem construído, mas querer fazer-se dele um novo messias da ficção científica, como se quis fazer com Interstellar de Nolan, mas aqui em formato adulto, sério e minimalista, sem aventura de encher o olho (e em Interstellar essa execução, assumida, é fantástica), será inevitavelmente um exagero, até porque Arrival não é capaz de cumprir com essa sóbria segurança até ao fim. O ponto mais forte de Arrival, além da evidente boa interpretação de Adams, é a tensão que consegue acumular no espectador antes de se mostrar, na tela, ao vivo e a cores, o que esconde o interior da nave. O percorrer de corredores, o caminho, como Sicario já habilmente fazia, é o momento em que percebemos que de facto estamos aqui perante algo diferente, algo superior, que se distingue dentro de um género tão saturado. A vida extraterrestre e a forma como a espécie humana reagiria ao seu contacto é algo já muito especulado ao longo de um século de cinema (já Meliés na década de 10 filmava contactos espaciais), e a verdade é que qualquer interpretação seria possível uma vez que é um cenário, pelo menos até 2017, impossível.


Arrival consegue maravilhosamente ser o mais objectivo possível, afastar ideias pré-concebidas de homenzinhos verdes de anatomia humanóide e olhos pretos grandes para mostrar algo de diferente com problemáticas diferentes, tais como o primeiro de todos: a comunicação. Como comunicar com algo que pode ser qualquer coisa? É sem dúvida um conceito fascinante mas não nos parece que seja intenção de Arrival utilizá-lo como metáfora com objectivos sociais maiores, e bem. Construindo-se a um ritmo que pretende afastar-se dos clichés que pintam o género de ficção científica entusiástico, Arrival vai encorpando como obra de excelência, mas claro, sustentar tanta segurança narrativa e estética (cinematografia grandiosa que aqui temos e como Villeneuve já bem nos habituou) dentro deste género específico tem sempre um reverso de medalha difícil de circular: um final de resposta satisfatória a um argumento que só vive e respira jogando com o seu próprio mistério e deliberada ausência de respostas. Aqui existem duas saídas. Ou Arrival não dá respostas, respeitando o espectador e assumindo o risco de que isso o irá deixar "chateado", ou então dá o seu máximo por entregar "respostas inteligentes" que saciem o espectador, subestimando-o. Infelizmente, Arrival escolhe a segunda, numa pressa explicativa confusa à la Inception, com banda sonora poderosa, fragmentações com twists narrativos balofos que ninguém pediu e amores que se deviam ter ficado pelos actos e expressões tão bem interpretados pelos seus actores. A necessidade de concretização no écrã é um acto cobarde por parte de Arrival, e é isso que mancha aquilo que era até aí um dos mais originais filmes de ficção científica num género saturado de lugares comuns. E é provavelmente também graças a essa cobardia que acaba por ser nomeado para o Óscar de melhor filme. Não é que não mereça, e continua a ser um filme bem acima da média, mas escolheu não vir a receber o estatuto de obra-prima inquestionável. E a culpa é somente dele próprio.

Porque é bom: Dá um folgo seguro e objectivo ao género de ficção científica, explorando questões de base, como a comunicação, tão raramente abordadas; o mistério e a tensão que Denis Villeneuve consegue acumular no espectador, sempre de forma minimalista, é uma delícia; bela interpretação de Amy adams e boa química com Jeremy Renner; argumento criativo, que tenta fugir aos clichés de género; cinematografia e realização.

Porque é mau: Não consegue manter a objectividade minimalista que faria dele um grande filme, acabando por se refugiar num desenlace rebuscado e satisfatório apenas para aqueles que não apreciam finais abertos.

Sem comentários: