sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Room (2015)


Room, de Lenny Abrahamson, é o último dos nomeados a Óscar de melhor filme a chegar às salas portuguesas. Pode dizer-se que se guardou o melhor para o fim. Room é um daqueles filmes de rara e genuína beleza cujas arestas estão tão limadas que não existe nada de decorativo ou artificial que se lhe possa ser apontado de negativo. Chamar-lhe de filme indie é porventura demasiado redutor, ainda que seja esse o campo em que o realizador e Brie Larson (que apresenta aqui a melhor interpretação do ano, já para não falar da do pequeno Jacob Tremblay) talvez se sintam melhor, principalmente se para esta última tivermos em conta o excelente Short Term 12, aquela que era provavelmente até à data a sua melhor performance. Se por indie se deve entender despido de artíficios e liberto de pretensões para audiência papar, então nesse caso aceitamos o termo. 

Jack faz 5 anos. Faz 5 anos que está no Quarto, o Mundo onde vive com a mãe desde que nasceu, nunca tendo de lá saído, nunca tendo visto outro ser humano, dizendo bom dia ao tapete, boa noite ao armário, fazendo brinquedos com cascas de ovos e correndo de uma parede à outra no espaço exíguo ao qual mãe e filho estão confinados para se exercitar, tudo dentro do imaginário que a mãe, e é por esse nome que a conhecemos em Room, interpretada por Brie Larson, achou ser o melhor para proteger o seu filho no meio da situação hedionda na qual os dois se encontram e sobre a qual o pequeno Jack ainda não tomou consciência. Jack é bestialmente interpretado por Jacob Tremblay que, com tantas nomeações para Óscar de crianças que já ocorreram, aqui seria uma das que mais se justificariam.


A carga dramática de Room, que numa primeira camada se exprime em pouco mais que alguns diálogos e imagens exclusivamente limitadas a este “quarto” de uns 4 metros quadrados onde cabe o Mundo todo, é avassaladora, e quem vos escreve é alguém que veementemente despreza o dramalhão carpideiro que tantas vezes invade os cinemas nesta época do ano. Tudo o que daí advém, toda a tensão e sentimento de justiça (ou injustiça) que revolve nas entranhas do espectador ao longo das duas horas de filme é capaz de deixar o mais duro de nós tão ansioso e revoltado como esta mãe que apenas tenta dar o seu melhor. Já quando passamos para a lente do filho tudo muda. A forma como o realizador, baseando-se no excelente argumento e livro de Emma Donoghue, mostra a inocência desta idade e o conhecimento do Mundo que se limita à experiência de vida dentro destas quatro paredes é de uma firmeza igualada por poucos, não tremendo nem por um segundo. Room é sempre sóbrio e incisivo, sem artifícios ou técnicas ilusórias que pretendem tocar no coração de forma sub-reptícia, o que só enaltece a pureza das imagens de descoberta e autodescoberta das suas duas personagens. E como realização não é só isso (os antigos dizem que o melhor realizador é aquele que sabe dirigir os actores), o que dizer da química existente entre Brie Larson e Jacob Tremblay que transporta todo o filme, e que invoca as características mais básicas, complexas, intensas e naturais que caracterizam, mesmo na mais extrema das situações, a relação entre uma mãe e um filho? 

Não vamos esconder-nos atrás de lugares comuns e dizer coisas como Room ser um filme inspirador, tocante e que deixa a nú o instinto de sobrevivência do ser humano ou qualquer coisa assim do género, mas a verdade é que há muito a aprender com ele, nem que seja pela frieza com que apresenta o drama e o desenrolar das suas consequências na personalidade dos seus dois protagonistas. De vez em quando aparecem filmes assim, que nos atingem de forma quase fatal enquanto espectadores. Justificar a sua grandeza por intenções ou detalhes técnicos que estão todos lá e com enorme excelência torna-se um exercício supérfluo. Room é um daqueles filmes que se quisermos fica connosco durante dias, semanas, meses, para o melhor e para o pior, e todos os elogios que lhe sejam feitos são poucos. É brutalmente honesto, soberbamente realizado (onde foi este sujeito buscar a criatividade para filmar isto), magistralmente interpretado, e o mesmo vale para o seu argumento. O que aqui se fez é algo de especial, muito especial, e só apetece estar com estas personagens uma e outra vez mais. Cinema também é isto, se não é essencialmente isto.

Porque é bom: Honesto, crú e genuíno; despido de artifícios ou técnicas ilusórias para tocar no "coração"; duas das melhores, senão as duas melhores performances do ano e dos últimos anos, e o mesmo vale para as suas personagens; argumento imaginativo, realista e significativo; realização imaculada e criativa; desperta emoções raras e fica com o espectador, transcendendo o cinema dramático enquanto mera arte visual ou narrativa, criando uma realidade no seu próprio imaginário.

Porque é mau: Nenhum motivo.


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