Room, de Lenny Abrahamson, é o
último dos nomeados a Óscar de melhor filme a chegar às salas portuguesas. Pode
dizer-se que se guardou o melhor para o fim. Room é um daqueles filmes de rara
e genuína beleza cujas arestas estão tão limadas que não existe nada de
decorativo ou artificial que se lhe possa ser apontado de negativo. Chamar-lhe
de filme indie é porventura demasiado redutor, ainda que seja esse o campo em
que o realizador e Brie Larson (que apresenta aqui a melhor interpretação do
ano, já para não falar da do pequeno Jacob Tremblay) talvez se sintam melhor,
principalmente se para esta última tivermos em conta o excelente Short Term 12,
aquela que era provavelmente até à data a sua melhor performance. Se por indie
se deve entender despido de artíficios e liberto de pretensões para audiência papar,
então nesse caso aceitamos o termo.
Jack faz 5 anos. Faz 5 anos que
está no Quarto, o Mundo onde vive com a mãe desde que nasceu, nunca tendo de lá
saído, nunca tendo visto outro ser humano, dizendo bom dia ao tapete, boa noite
ao armário, fazendo brinquedos com cascas de ovos e correndo de uma parede à
outra no espaço exíguo ao qual mãe e filho estão confinados para se exercitar,
tudo dentro do imaginário que a mãe, e é por esse nome que a conhecemos em
Room, interpretada por Brie Larson, achou ser o melhor para proteger o seu
filho no meio da situação hedionda na qual os dois se encontram e sobre a qual
o pequeno Jack ainda não tomou consciência. Jack é bestialmente interpretado
por Jacob Tremblay que, com tantas nomeações para Óscar de crianças que já
ocorreram, aqui seria uma das que mais se justificariam.
A carga dramática de Room, que
numa primeira camada se exprime em pouco mais que alguns diálogos e imagens exclusivamente
limitadas a este “quarto” de uns 4 metros quadrados onde cabe o Mundo todo, é
avassaladora, e quem vos escreve é alguém que veementemente despreza o
dramalhão carpideiro que tantas vezes invade os cinemas nesta época do ano.
Tudo o que daí advém, toda a tensão e sentimento de justiça (ou injustiça) que revolve
nas entranhas do espectador ao longo das duas horas de filme é capaz de deixar
o mais duro de nós tão ansioso e revoltado como esta mãe que apenas tenta dar o
seu melhor. Já quando passamos para a lente do filho tudo muda. A forma como o
realizador, baseando-se no excelente argumento e livro de Emma Donoghue, mostra
a inocência desta idade e o conhecimento do Mundo que se limita à experiência
de vida dentro destas quatro paredes é de uma firmeza igualada por poucos, não
tremendo nem por um segundo. Room é sempre sóbrio e incisivo, sem artifícios ou
técnicas ilusórias que pretendem tocar no coração de forma sub-reptícia, o que
só enaltece a pureza das imagens de descoberta e autodescoberta das suas duas
personagens. E como realização não é só isso (os antigos dizem que o melhor
realizador é aquele que sabe dirigir os actores), o que dizer da química
existente entre Brie Larson e Jacob Tremblay que transporta todo o filme, e que
invoca as características mais básicas, complexas, intensas e naturais que caracterizam,
mesmo na mais extrema das situações, a relação entre uma mãe e um filho?
Não vamos esconder-nos atrás de
lugares comuns e dizer coisas como Room ser um filme inspirador, tocante e que
deixa a nú o instinto de sobrevivência do ser humano ou qualquer coisa assim do
género, mas a verdade é que há muito a aprender com ele, nem que seja pela frieza
com que apresenta o drama e o desenrolar das suas consequências na
personalidade dos seus dois protagonistas. De vez em quando aparecem filmes
assim, que nos atingem de forma quase fatal enquanto espectadores. Justificar a sua grandeza por intenções ou detalhes
técnicos que estão todos lá e com enorme excelência torna-se um exercício
supérfluo. Room é um daqueles filmes que se quisermos fica connosco durante
dias, semanas, meses, para o melhor e para o pior, e todos os elogios que lhe
sejam feitos são poucos. É brutalmente honesto, soberbamente realizado (onde
foi este sujeito buscar a criatividade para filmar isto), magistralmente
interpretado, e o mesmo vale para o seu argumento. O que aqui se fez é algo de
especial, muito especial, e só apetece estar com estas personagens uma e outra
vez mais. Cinema também é isto, se não é essencialmente isto.
Porque é bom: Honesto, crú e genuíno; despido de artifícios ou técnicas ilusórias para tocar no "coração"; duas das melhores, senão as duas melhores performances do ano e dos últimos anos, e o mesmo vale para as suas personagens; argumento imaginativo, realista e significativo; realização imaculada e criativa; desperta emoções raras e fica com o espectador, transcendendo o cinema dramático enquanto mera arte visual ou narrativa, criando uma realidade no seu próprio imaginário.
Porque é mau: Nenhum motivo.
Sem comentários:
Enviar um comentário