sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

The Revenant (2015)



Iñarritu, o charlatão vendedor de milagres cinematográficos, está de regresso com a sua nova megalomania. Não é novidade que o mexicano que quer ser reconhecido nos Estados Unidos divide o público e a crítica com cada filme que faz. Ora se ama, julgando Iñarritu como uma espécie de messias que está a renovar a forma como olhamos para o cinema moderno, uma verdadeira esperança em como o cinema americano (ups) não está afinal perdido, ou então não, percebemos que não há milagres e descobrimos-lhe a careca. Assim que se descobre a careca do seu cinema (e chamar-lhe cinema já é ser demasiado benevolente) é impossível não olhar para ele sem ver calculismo em cada frame, usurpação de técnicas em cada movimento de câmara, lugares comuns disfarçados de arte pura numa natureza que se julga contemplativa e espiritual, mas que não é mais que um vazio de ideias, personagens, argumento e, porque não dizê-lo, ausência da introspecção que se procura através dessa contemplação. Este The Revenant procura ser uma espécie de lavagem espiritual da personagem em comunhão com o espectador no meio da natureza, mas fica-se pelo embrulho vistoso. DiCaprio, o pobre DiCaprio que pouco mais faz do que grunhir, babar-se e arrastar-se ao longo de duas horas e meia, não é mais que um veículo para transmitir a única ideia do filme: uma prova de resistência às condições adversas de um rigoroso Inverno no Wyoming em 1820. Essa é a ideia, mas falta o seu conteúdo. Quem é a personagem de DiCaprio, porque está ele ligado a uma tribo de índios, porque é que percebe tanto de trilhos e natureza, o que realmente o move além de um básico sentimento de vingança? Como é suposto ser desenvolvida e interiorizada esta personagem se o melhor que Iñarritu consegue fazer quanto a isso é atirar-nos à cara alguns flashbacks e alucinações copiadas d'O Gladiador? O vilão interpretado por Tom Hardy consegue ter uma pontinha de profundidade, mas ainda assim está muito aquém para um filme que se pretendia uma epopeia humana esmagada pela força da natureza.



As relações com os índios são uma deturpação de clichés baratos que por vezes relembram Babel e a sua redundante e básica conclusão de que apesar de sermos todos diferentes somos todos seres humanos. A dada altura não se percebe se chegou a ser também intenção do realizador (são tantas) passar uma mensagem ecológica ou propôr uma reflexão sobre o maior pecado da história da raça branca: o racismo. Mais uma vez não, nada disso está neste Renascido. De resto parece que Iñarritu tomou o gosto pelo long take de Birdman. O mexicano não perde aqui nenhuma oportunidade para o aplicar, acreditando, talvez, que esse mero exercício de forma lhe irá trazer reconhecimento por estar a fazer algo que não se vê muitas vezes, mas que na realidade acaba por ser apenas irritante, inconsequente e dono do seu próprio nariz, emprisionando os actores numa coreografia que não consegue disfarçar a falsidade patente na sua pureza de imagem. The Revenant é cópia de muita coisa. À cabeça está aqui obviamente o cinema mais recente de Terrence Mallick (New World, Tree of Life, etc) e uma tentativa de imitar os seus planos e ideias de espiritualidade. Logo a seguir a filmagem e cinematografia dos filmes de Herzog, com particular destaque para Rescue Dawn que também colocava um débil Christian Bale numa prova de resistência contra uma natureza impiedosa. É também cópia, e não só em termos de argumento, de Dead Man de Jarmusch, Jeremiah Johnson de Sydney Pollack, da realização de Alfonso Cuáron e até mesmo, veja-se, do Apocalypto de Mel Gibson e ainda de uma cena muito específica de Star Wars: O Império Contra-Ataca. Iñarritu quer ser esta gente toda, mas acaba por ser uma manta de retalhos ensossa e desprovida de qualquer tipo de personalidade. Última palavra para o calculismo do realizador que mais uma vez demonstra que não faz filme se não for para ganhar uma catrefada de prémios e reconhecimento. Ele vai buscar a malta toda para tentar arrecadar o maior número de troféus, senão vejamos: Leonardo DiCaprio é o actor consensual que nunca ganhou um óscar e vai agora recebê-lo com um dos papéis mais fracos da carreira (não se fala de outra coisa e é tão irónico...); Tom Hardy, um dos actores do momento, é a escolha segura para tentar o melhor actor secundário (queremos acreditar que Bale e Fassbender não iriam nesta cantiga); contrata Lubezki, o soberbo cinematógrafo de Children of Men para filmar as brancas montanhas à luz natural; vai até buscar o lendário compositor japonês Ryuichi Sakamoto para tentar a banda sonora, entre tantos outros. Enfim, é infelizmente apenas o produto que se esperava de um realizador narcisista e calculista como Iñarritu. Quer ser tudo e acaba por não ser nada. Rejeita a oportunidade que tem de aqui fazer uma reflexão acerca da quietude da natureza e do espírito humano nos momentos de maior dificuldade e dureza, mas prefere encetar numa manipulação plástica de movimento e paisagem sem profundidade ou critério. The Revenant coloca, como sempre, a ambição no ponto mais alto que lhe for permitido mas acaba por ser um exercício formal inútil com um argumento que é pura e simplesmente inexistente. Ao pé disto a arrogância (justificada) de Tarantino é uma piada.


Porque é bom: O Wyoming tem uma paisagem bonita no Inverno.

Porque é mau: O calculismo formal atinge proporções trágicas; o argumento e o desenvolvimento das personagens é inexistente; está pejado de lugares comuns; copia descaradamente diversos realizadores de renome; emprisiona os actores numa coreografia de takes longos que se acham mais artísticos do que a essência narrativa e interpretativa do cinema; é irritante, repetitivo e narcisista

2 comentários:

Maggie disse...

Se é desta que o Di Caprio acha que vai ganhar o óscar, bem pode ir falar novamente com o Santo Papa! Uma desilusão... Um filme de grunhidos e murmúrios... Emoji unsure

Unknown disse...

O filme não é perfeito nem nada que se pareça, falta-lhe profundidade no desenvolvimento das personagens, principalmente na do Di Caprio, é talvez demasiado longo, o argumento não é muito rico e chega a um ponto em que o filme parece que vai acabar quando a personagem do Di Caprio é finalmente descoberta pelos seus "colegas". Agora utilizar uma critica de um filme para atacar selvaticamente o realizador parece-me rídiculo, quando Christopher Nolan utiliza os mesmos actores, os mesmos planos, o mesmo film noir e estilo de roupa em todos os filmes é chamado de génio e revolucionário, mas quando Iñarritu utiliza os long takes é supérfluo, irritante e narcisista. O facto de usar a mesma técnica não faz dele um realizador limitado, nem o facto dessa técnica já ter sido usada não faz dele um charlatão e um homem sem personalidade(que eu saiba, o film noir de Nolan já existe à umas boas décadas...). Este é o estilo de Iñarritu, e em termos de realização e cinematografia o filme parece-me fantástico.