Não foi de ânimo leve que
Stallone aceitou regressar ao papel de Rocky depois de ele próprio já ter
realizado Rocky Balboa em 2006 como uma espécie de despedida definitiva da
personagem. Creed não é sobre Rocky, mas sobre o filho do rival com o mesmo
nome, interpretado aqui por um desinibido Michael B. Jordan (que ainda não
apresenta o nível suficiente para ser nomeado a Óscar, embora isso esteja para
breve) que já havia trabalhado com o jovem realizador Ryan Coogler em Fruitvale
Station, o filme de sensibilização social acerca da comunidade afro-americana
que obteve uma recepção não muito homogénea. Já aí existiam traços de inspirada
realização, de alguém que apesar de ter apenas 26 anos de idade dominava a
câmara e os seus movimentos com personalidade e certeza raras. Com Creed essas
dúvidas dissipam-se. Creed procura com sucesso o
sentimento que tínhamos ao ver o cinema de acção inspiradora do anos 80/início
dos anos 90, os filmes que protagonizavam lutadores underdogs por quem ninguém dava nada e que saíam em glória, com
tramas nunca demasiado dramáticas, mas dramáticas o suficiente para nos manter
agarrados a torcer pela justiça que o protagonista merece. Em Creed, Ryan
Coogler consegue adaptar esse sentimento aos dias de hoje, com um argumento que
apresenta o mesmo tipo de elementos. Está lá tudo, da namorada motivadora ao velho
mestre fragilizado, passando pelo desprezo com que é visto pelos seus pares e
terminando na missão de deixar a família orgulhosa. O que está lá também é uma enorme
realização e uma muito boa interpretação de Stallone, que não é soberba, mas
que aparece no momento certo para homenagear a carreira do actor que se
confunde com a personagem que aqui interpreta. De resto não é o primeiro.
Muitos destes icónicos actores de acção, que na verdade já estão na casa dos
70, estão de há alguns anos para cá a celebrar a sua carreira com uma certa
dose de nostalgia. É o próprio Stallone que o faz com Expendables, para dar o
exemplo mais óbvio, mas isso são contas de outro rosário. Regressando a Creed, a adaptação/homenagem
a esse tipo de cinema é muito bem conseguida, não só ao empregar técnicas de
realização ambiciosas (o take longo que acompanha uma das cenas de acção do
filme é provavelmente o seu momento mais memorável), mas adaptando-o em termos
de simbologia, debruçando-se sobre alguns flagelos sociais na ordem do dia, e
não só, e sobretudo diversificando o seu público, não fosse Ryan Coogler um
acérrimo defensor das minorias. Tudo isso faz de Creed um filme ambicioso,
eficaz e seguro, no entanto falta uma certa dose de coragem em tomar certas
direções no argumento. Por vezes o ânimo leve com que estamos a desfrutar do
filme é destruído por determinadas decisões a nível de argumento que são
corajosas e que nos deixam felizes pela sua ambição mas que depois acabam por
cair em saco roto. O realismo é bem vindo, mas Creed teria que ter a coragem de
o aplicar a tudo aquilo que se propõe. Ou talvez não... Talvez Creed tenha
conseguido passar exactamente a mensagem que pretendia, tal como os filmes que homenageia
passavam. Entende-se essa opção, mas isso talvez lhe tenha custado o salto para
um dos melhores filmes do ano, senão o melhor.
Porque é bom: Homenageia os filmes de underdog dos anos 80/90; a interpretação de Stallone e o que este filme significa na carreira do actor; algumas cenas brilhantes a nível de realização
Porque é mau: Falta coragem para tomar decisões difíceis a nível de argumento; as várias mudanças entre tom leve e sombrio dão ideia que o filme está indeciso sobre que rumo acredita ser o acertado para o Legado de Rocky
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