quarta-feira, 16 de novembro de 2016

Hacksaw Ridge (2016)


Não é pacífica a aceitação de Hacksaw Ridge como um dos melhores filmes do ano. Na sua estreia, em Veneza, recebeu uma ovação de 10 minutos e tudo antevia uma redenção profissional de um pessoalmente manchado Mel Gibson, que aqui apresenta um filme que assenta os seus pilares em valores como a fé e a família. Mas desengane-se quem achar que esta é uma mudança radical face à linguagem cinematográfica que Gibson já havia apresentado antes, em Braveheart, Paixão de Cristo e Apocalypto. A violência, fetiche do realizador, está lá toda, tão gritante como nos seus anteriores filmes, mudando-se apenas o cenário, que agora é de guerra, em plena II Guerra Mundial, no Japão. O role model objector de consciência e bom rapaz (tipo simpático este Andrew Garfield) transporta uma mensagem que até é interessante neste ano de 2016, num hino à não violência e à não morte que ironicamente acaba por ser o prato principal do filme, recusando tocar numa arma. Há algumas referências óbvias, como o implacável sargento de Vince Vaughn, inspirado no sargento Hartman de Full Metal Jacket, e toda a acção de O Resgate do Soldado Ryan, entre outras reciclagens, que se apresentam em várias cenas de entretenimento equilibradas e bem realizadas. E será essa a pedra toque na qualidade de Hacksaw Ridge. É puro entretenimento, às vezes até entretenimento barato, mas é bom que se farta... Tecnicamente e emocionalmente é portentoso, um daqueles blockbusters não assumidos, estilo Dark Knight de Batman, e quando aquece é de facto memorável. A sua profundidade moral é que não acompanha o ritmo épico dos acontecimentos que vamos vendo no écrã, e no fundo é isso que se apresenta como a sua maior arma. Fica coxo, mas é difícil culpá-lo. O público adora regressos épicos à boa forma de figuras aparentemente perdidas do cinema, e toda essa mística faz com que Hacksaw Ridge pareça um filme melhor do que aquele que realmente é. Ainda assim os demónios da guerra, das famílias separadas, dos pais que enterram os filhos, tão facilmente relacionáveis com a actual guerra do Iraque, cujos pais dos soldados por sua vez combateram no Vietname, toda essa exploração em Hacksaw Ridge faz com que este não seja apenas um filme de guerra, com todo o horror que ela transporta. É um filme que deve ser visto por um determinado público, o americano pois claro, é disso que se trata. A adicionar a esse exorcismo está o cunho da realização de Gibson, impiedosa, emocional, hollywoodesca, cínica. Tudo isso faz com que este seja subjectivamente um dos filmes do ano.

Porque é bom: A caracterização e o realismo do horror violento da guerra de Mel Gibson; o pegar pela frente de determinados demónios de guerra; emocionalmente portentoso, mesmo memorável; toda a simbologia filosófica que uns Estados Unidos cansados de guerra precisam de ver.

Porque é mau: As boas ideias do filme têm um custo: o de entreter Hollywood, e por vezes o entretenimento de Hacksaw Ridge é baratucho.

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