segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

The Shape of Water (2017)


Guillermo Del Toro está habituado a construir universos herméticos de fantasia e volta a fazê-lo em The Shape of Water, adorador de monstros assumido que é. Autor de uma carreira ziguezagueante, capaz de produzir belos filmes como El Labirinto del Fauno e El Espinazo del Diablo, Del Toro tem vindo a cair no genérico, com um vulgar Hellboy II e um visualmente engraçado Pacific Rim que pouco exibe o melhor que o realizador consegue fazer: criar. Crimson Peak, o mais recente esforço de 2015, é uma carta de amor ao horror gótico, mas a sua inconsistência e uma aura de amadorismo fanboy mancharam-no. Shape of Water parece, pela elevação no que toca a prémios, o momento de redenção para Del Toro, mas acaba por ser a armadilha que muitos insuflados filmes acabam por construir e cuja natural consequência é o aplauso junto do grande público pela audácia temática, diminuindo-se o filme enquanto objecto de cinema. Shape of Water é criativo do ponto de vista visionário, introduzindo temáticas atípicas num mundo que se quer de fantasia e que não pretende ser levado demasiado a sério, mas todas essas temáticas são apresentadas de uma forma tão genérica e subdesenvolvida que fazem com que Shape of Water pareça ter sido produzido por uma criança que não sabia o que fazer ao dinheiro. Homossexualidade, racismo, assédio sexual, espionagem, feminismo e por fim o amor entre uma muda e um monstro, são tudo ingredientes atirados para a panela de Del Toro por forma a preencher a "quota" dos requisitos da universalidade politicamente correcta que tem chicoteado a indústria nos anos mais recentes, limitando a valorização artística. Todas as personagens, de um Richard Jenkins homossexual de meia idade à empregada Octavia Spencer que sofre o preconceito racista, culminando no vilão implacável (ou pelo menos é isso que o filme pretende que seja) de Michael Shannon, são produtos estereotipados de laboratório não mais realista que aquele que esconde a inestimável criatura, e que pelos vistos é tão inestimável que qualquer empregada de limpeza tem acesso privilegiado ao seu cativeiro. Argumentar-se-á que este é um mundo de fantasia e que não se rege pelas regras da lógica do mundo real, mas isso não irá também destruir a mensagem de universalidade, igualdade de género e racial, etc, que o filme pretende passar? Apressado e com muito para dizer (afinal, com tantos ingredientes e "quotas" podemos dizer que Del Toro está no mínimo a sobrestimar-se), Shape of Water acaba por não desenvolver cabalmente nenhuma das suas ideias, começando pela raíz do filme: a relação amorosa entre uma Sally Hawkins cartoonizada e necessitada sexualmente (é o próprio filme que o afirma insistindo em mostrar a personagem a masturbar-se diariamente com o chuveiro) e um monstro em laboratório, relação estabelecida através de ovos cozidos em pequenas pausas de trabalho. No meio de tanta fantasia, que seria bem inocente, Del Toro não resiste ao seu fetiche da violência pela violência, pintando inexplicável e repentinamente a tela com muito sangue e um body horror gratuito que não tem qualquer cabimento no universo do filme, além de outros tipos de abusos como o abuso familiar insistido pela personagem de Michael Shannon. A cópia descarada de alguns planos e detalhes de O Fabuloso Destino de Amélie, além da banda sonora, é também uma realidade. Shape of Water fala-nos de um monstro encontrado na América do Sul e preso num laboratório, mas parece que afinal é o próprio filme do mexicano Del Toro que se trata de um monstro criado em laboratório. O realizador não precisava de se ter vergado tanto para receber o reconhecimento que assumidamente tanto almeja. Esperemos que não que tome o vício e que volte à boa forma de antigamente em breve.

Porque é bom: Bela fotografia e banda sonora, ainda que copiando descaradamente Yann Tiersen em Amélie; um filme visionário e com boas ideias.

Porque é mau: Todas as ideias estão subdesenvolvidas, limitando-se a preencher a quota do politicamente correcto de forma genérica; personagens estereotipadas, sem arco evolutivo, e, quando este existe, não vai além da rotulagem, nunca transmitindo através do écrã esse sentimento de forma convincente ao espectador; torna-se aborrecido e embaraçoso com o tempo, apressado e genérico, sempre superficial; um mundo de fantasia belo e inocente, que apenas pisca o olho às temáticas fracturantes que traz à mesa mas nunca as desenvolve (homossexualidade e racismo), manchado por um fetiche de violência gratuita descontextualizada

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