sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

Crítica: Widows (2018) - The Fading Cam


Steve McQueen Fora de Água

À quarta longa metragem, Steve McQueen, o já apelidado artista plástico, abandona a melancolia que pautou as suas obras anteriores e decide experimentar o thriller com alguns elementos de acção, procurando aliar o caderno de encargos do heist movie à criatividade artística que o notabilizou como realizador, sem esquecer uma lista de mensagens sociais que procura forçar no seu argumento, por muito difícil que seja encontrar espaço para isso. Desta vez correu mal. Viola Davis encabeça o elenco etnicamente diversificado enquanto líder do grupo das titulares "Viúvas" de criminosos que deixaram uma dívida a figura pública importante e perigosa, cabendo agora a elas cumpri-la. Widows arranca de forma interessante, com apontamentos de realização impressionantes (a cena do ginásio protagonizada por Daniel Kaluuya é um repasto), não fosse este um dos realizadores mais interessantes deste século, mas rapidamente vemos o filme a insuflar de forma irremediável, pondo em cheque o realismo social, político, familiar e afectivo que procura expor. São várias as linhas com que se cose este Widows. McQueen procura representar a diversidade étnica de uma Chicago contemporânea em termos políticos e sociais, e é aí que Widows faz o seu melhor trabalho. Se por um lado temos o tal heist movie bacoco que serve de mote ao filme, é nos adornos que a película demonstra as suas melhores características. Temos duas famílias que lutam pelo poder político local, uma caucasiana, interpretada por Colin Farrel e um delicioso Robert Duvall no alto dos seus 87 anos, e uma afro-americana, encabeçada por Brian Tyree Henry e um sádico e invasivo Daniel Kaluuya como nunca o tínhamos visto antes. McQueen procura ausentar de moralismo as suas personagens (a etnia minoritária não é necessariamente a boa da fita), ainda que caracterize adequadamente os estratos sociais retratados no filme (infelizmente, sempre pela rama). O melhor momento de Widows não está assim nas suas viúvas nem no thriller, mas sim no seu background político, no diálogo entre Farell e Duvall, filho e pai, candidato e histórico ex-governador, em que o não tão vilão Farrell confronta o estereótipo da geração branca anterior, que, no entender de Farrell, felizmente, está quase morta, deixando Duvall embasbacado. Já o cerne da questão, a relação entre as protagonistas femininas e o seu golpe, apresenta-se como um castelo de cartas bem montado ao início que se desmorona ao mínimo abanão, por muitas voltas estéticas que McQueen lhe tente dar. A lente invasiva confronta o rosto de Viola Davis, um rosto sofrido num overacting constante que já vem sendo imagem de marca da actriz e que começa a saturar. Michelle Rodriguez nunca consegue despir o estereótipo de durona do tuning e Cynthia Erivo surge na trama enfiada à força, com um desenvolvimento de personagem preguiçoso que claramente está a mais. Para salvar este quadrilátero resta Elizabeth Debicki, que parece ser a única personagem construída com alguma atenção por McQueen e que consegue envolver o espectador, ainda que de forma algo leviana, e sempre com demasiadas coincidências a ajudar ao argumento. McQueen enrola-se nas suas boas intenções: um thriller comercial com realização "de autor", carregado de plot twists que só lá estão para preencher o caderno de encargos, e plot holes que não podem ter lugar num filme que se apresenta como um refresco ao thriller comercial de género. Depois da obra de arte visual experimentalista que foi Hunger, do psico-drama existencial que foi Shame e do retrato histórico tecnicamente elevado de 12 Years a Slave, Widows destaca-se como o primeiro falhanço de Steve McQueen. De pretensioso não tem nada, mas que lhe sirva de lição e o afaste da tentação que é abordar o cinema de género.

Porque é bom: Estética e realização criativa, Widows é um filme tecnicamente elevado, como já é hábito de Steve McQueen; as interpretações e personagens de Elizabeth Debicki e Daniel Kaluuya; o diálogo político entre Colin Farrell e Robert Duvall.

Porque é mau: A interpretação de Viola em constante overacting começa a saturar; o thriller central está carregado de plot twists de cumprir calendário e plot holes que não podem ter lugar num "filme de género de autor"; demasiados temas para explorar que ficam pela rama: afectivo, social, racial; a realização inspirada de McQueen não tem enquadramento possível na narrativa, e pouco funciona no produto final.

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