segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

Crítica: Vox Lux (2018) - The Fading Cam


O Antídoto para A Star is Born

É curioso que no ano em que The Star is Born aparece enquanto filme sensação fundado no fenómeno da música pop, surja igualmente Vox Lux, uma espécie de filme antítese do protagonizado por Lady Gaga, que, usando o mesmo pano de fundo, é ao mesmo tempo bem mais criativo, inteligente, mordaz e meritório que o primeiro. Brady Corbet assina a sua segunda longa metragem, num dos exercícios de cinema mais originais, da mesma forma que é um dos socialmente mais relevantes do ano, sempre estando a atento a não cair na tentação da crítica política fácil da era Trump. Esta é a história de uma sobrevivente de um tiroteio numa escola dos Estados Unidos que ganha atenção mediática por esse motivo e se torna estrela pop, decidindo Corbet dividir o filme em duas partes. Uma primeira, protagonizada por Raffey Cassidy, testemunha a juventude da personagem de Celeste e o início do seu contacto com a feroz indústria musical, que posteriormente avança no tempo para a idade adulta de uma já estrela pop mundial, com mais um excelente trabalho de Natalie Portman. Apesar de todo o seu subtexto, Vox Lux é um filme de entretenimento, e decerto nos embala na sua irresistível irreverência tão cruel, realista e cínica. Isso deve-se a vários factores. À cabeça está a química entre a popstar Natalie Portman e o agente Jude Law, um revivalismo de Closer (2004) anunciado que resulta mais que bem. Os protagonistas não se limitam a interpretar, divertem-se, e o espectador diverte-se com eles. O espaço para o improviso é evidente e os veteranos e velhos comparsas sabem bem como o usar, elevando o olho realista de Vox Lux através dessas sobreposições improvisadas. Quanto a Raffey Cassidy, a jovem actriz confirma-se como valor para o futuro, demonstrando com segurança a sua carismática capacidade para liderar o filme ao longo da sua primeira metade. Raras vezes tivemos a oportunidade de observar uma jovem actriz a agarrar de forma tão confiante um papel tão ironicamente cínico, e Corbet brinca com essa ideia dentro do próprio filme ao atribuir à mesma jovem actriz o papel da adolescente filha da protagonista, anos mais tarde, quando já é Portman a intérprete de Celeste. O também jovem realizador afirmou ter passado pelo inferno para conseguir financiar o projecto, mas isso não o parece ter desmotivado no que diz respeito ao cariz mais técnico e imersivo da realização. O dedo de autor está lá, sempre na medida certa, dançando entre o sempre incisivo diálogo em campo/contra-campo e o shaky cam da introspecção de personagem. Ao mesmo tempo, Corbet aplica, metaforicamente ou não, uma dose generosa do cinema comercial mais pop (curioso o equilíbrio entre a linguagem estética de fácil consumo e o um certo cinema indie norte-americano), que ganha fundações na própria narrativa do filme: a diva autoconsciente da música pop, símbolo da indústria do espectáculo. A cena final é arrebatadora e desconcertante. Se A Star is Born fazia um excelente trabalho ao colocar o espectador em cima do palco, Vox Lux faz um trabalho criativamente superior ao colocar o espectador na plateia, detentor do olhar de um observador clínico. E é essa a relação do espectador com Vox Lux: a de espectador que assiste ao espectáculo da plateia, e Corbet faz render o bilhete como poucos fizeram em 2018.

Porque é bom: Excelente interpretação de Natalie Portman, carregada de improviso e diversão, e de Raffey Cassidy, uma jovem carismática que agarrou a oportunidade; a metáfora da narrativa pop e o seu diálogo entre cinema, música e espectáculo; realização de mérito de Brady Corbet, que equilibra a estética comercial com a de um certo cinema indie norte-americano; o interessante subtexto político, que surge com rara naturalidade

Porque é mau: O descomprometimento de Vox Lux por vezes confunde-se com preguiça ou falta de ideias

Sem comentários: