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segunda-feira, 23 de setembro de 2019

Especial 13ª Edição Motelx 2019 - Cobertura e Críticas




Motelx 2019

A 13ª Edição do Motelx, com uma sexta-feira 13 pelo meio, foi a mais concorrida de sempre até hoje. Ari Aster, realizador do fenómeno Hereditary foi o convidado de honra e veio apresentar Midsommar, a sua mais recente incursão no folk horror. Foi uma edição com uma oferta acima do normal a nível de qualidade, com vários filmes a surpreender muito pela positiva e a mostrar que o Motelx está cada vez mais forte, com cada vez maior qualidade e uma programação cada vez melhor. O melhor filme que passou pelo festival foi mesmo o excelente Midsommar que merecerá crítica própria, mas nem só de Ari Aster foi feita esta edição:


Ma (2019)

Ma, o novo filme de Tate Taylor (The Girl on the Train, The Help), fez as honras de abertura da 13ª edição do Motelx. Protagonizado por uma sempre excelente, mas aqui invulgar, Octavia Spencer, Ma fala-nos de um grupo de jovens numa pequena comunidade americana que trava amizade com uma mulher solitária com a cave perfeita para festas que a recordarão da sua juventude. Ma move-se no terreno do thriller, com uma misteriosa Octavia Spencer a digerir o espectador por entre os seus humores, do dócil ao fantasmagórico. É um filme que nunca aborrece e satisfaz o gostinho dos fãs do género, com uma boa dose de desconfortável a balançar aventura fílmica dos seus protagonistas teenagers. Infelizmente, o argumento titubeteante que dá origem aos esperados plot-twists e às zonas cinzentas entre bem e mal acaba por não satisfazer, tornando-se inconclusivo para a engraçada construção de suspense que faz até ao seu desenlace. Ma abriu bem o Motelx para uma multidão satisfeita, mas podia ter sido bem superior.





The Gangster, The Cop and The Devil (2019)

Estamos habituados a ver excelentes thrillers policiais nascer na Coreia do Sul na última década, mas este The Gangster, The Cop and The Devil, apesar de altamente prazeroso não consegue satisfazer os fãs do género mais exigentes. Partindo de uma união improvável entre um líder gangster e um polícia com o objectivo de capturar um serial killer, The Gangster, The Cop and The Devil é demasiado sensacionalista para o seu próprio bem, que apenas resultam num por vezes refinado humor negro altamente satisfatório. No que toca ao realismo do thriller que já esperamos de filmes como The Chaser, esta oferta do Motelx ficou curta, mas ainda assim foi uma bela sessão da meia-noite.





Carmilla (2019)

Foi no segundo dia, com Carmilla, que o Motelx realmente elevou a fasquia. Uma história de amor gótico passada algures no Século XVIII vai encontrar uma jovem rapariga que vive numa mansão com o seu pai e governanta na fase de transição para a idade adulta, de descoberta do corpo e do pecado, após uma misteriosa jovem da sua idade ter aparecido à porta da mansão após a carruagem onde seguia ter tido um acidente. Baseado num conto com o mesmo nome, Carmilla encontra identidade nas paredes do misterioso gótico e folclore religioso, com uma realização onírica e etérea através da lente da realizadora Emily Harris, que não se coíbe de olhar com o seu olho também feminino a sexualidade das duas jovens protagonistas. Duas belíssimas interpretações magnéticas que transportam o espectador para “aquele tempo”, para os mitos e receios de época, para o isolamento que tantas vezes percorria a vida de determinadas famílias burguesas e que apenas ouvem os rumores que se ouvem na cidade mais próxima. Atmosférico e excepcionalmente realizado, Carmilla é um filme admirável.





I See You (2019)

Um dos filmes mais interessantes e originais (será que se pode chamar isso a algum filme em 2019?) a passar por esta edição do Motelx, I See You apresenta-se com uma estrutura invulgar, iniciando-se no terror home invasion e terminando numa espécie de found footage inesperada. A veterana Helen Hunt faz parte do elenco, enquanto mãe e esposa de uma família de classe média alta que traiu o marido, e cujo filho encontra dificuldades em a perdoar por esse erro. Repleto de curvas e contra-curvas poder-se-á dizer que o argumento de I See You é algo erróneo, mas a sua estrutura original multi-género e ao mesmo tempo o despretensiosismo na construção do seu próprio puzzle elevando-no para algo mais que apenas mais uma pequena experiência feita em cinema. O filme de Adam Randall é entretenimento puro, e é altamente eficaz na sua missão.





A Good Woman is Hard to Find (2019)

A Good Woman is Hard to Find foi o melhor filme exibido na competição de melhor longa-metragem de terror europeia, e talvez o prémio lhe tenha escapado por não se tratar exactamente de um filme de terror, ainda que movendo-se dentro da linguagem do cinema de género. Interpretação poderosa de Sarah Bolger enquanto mãe viúva que vive com os seus dois filhos pequenos após o seu marido ter sido assassinado, esta mãe é subitamente envolvida num perigoso esquema de tráfico de droga entre grupos criminosos locais. Aclarando questões como a violência sexual e doméstica, A Good Woman is Hard to Find consegue um equilíbrio surpreendente entre o drama familiar, o thriller, o body horror e o humor negro. Neste filme onde é difícil encontrar a moralidade, Bolger carrega o filme de forma surpreendente e não ficaremos espantados se esta actriz irlandesa, que já passou brevemente por Hollywood, seja redescoberta para o cinema de maior orçamento.





The Hole in the Ground (2019)

Um dos grandes destaques positivos, Hole in the Ground foi o melhor de filme de puro terror que passou pelo Motelx. Uma mãe solteira, habilmente interpretada por Seána Kerslake que agraciou o festival com a sua presença, move-se para uma vila tranquila com o seu filho junto a uma misteriosa cratera na floresta. Jogando com os fantasmas do drama social, mas nunca tirando o foco do horror, o estreante Lee Cronin não está interessado em fugir da linguagem de género, mas não se coíbe de a aplicar da forma mais eficaz possível. Com uma estética e atmosfera irrepreensíveis, é difícil castigar o argumento pelo seu twist final, misturando paranóia, sobrenatural e horror de criatura. Todos os seus componentes estão tão seguros de si que não será asneira nenhuma dizer que The Hole in the Ground consegue competir ombro a ombro com o recentemente filme de terror de culto Babadook.





Harpoon (2019)

O primeiro filme da sessão dupla intitulada “sessão dupla de azar” colocou um casal e o seu melhor amigos perdidos no mar, descobrindo os segredos entre o seu triângulo de amizade. Entre o humor negro e o thriller gore, Harpoon é um daqueles filmes que respira amadorismo mas que ganha pontos pela interpretação dos seus protagonistas e pelo nível de ridículo que o argumento consegue atingir. Harpoon é a prova de que não é preciso muitos meios para fazer uma comédia negra de género com elevados resultados de entretenimento. Livre de pretensiosismos e consciente daquilo que é, foi a escolha perfeita para iniciar a madrugada dentro com amigos no Motelx.



The Pool (2019)

A premissa de The Pool, exibido depois de Harpoon, cerca ds 2h da manhã, que nos chega da Tailândia, permite antever o nível daquilo que iremos ver, exigindo uma mente aberta: um sujeito que fica preso dentro de uma enorme piscina, sem escada para sair, e com um crocodilo a fazer companhia. Ao contrário de Harpoon, The Pool não consegue abraçar o amadorismo da sua produção e é um desfilar de momentos de vergonha alheia argumentativos, de interpretação e de caracterização. Um filme que se quer sério, mas que mais não conseguiu que soltar risadas dos resistentes espectadores que ficaram pela. Não chega a atingir o estatuto de ser tão mau que é bom, mas a sua inocência e boa vontade não permite que se lhe sejam atribuas 0 estrelas.





Faz-me Companhia (2019)

Primeira longa metragem do realizador português Gonçalo Almeida, que havia vencido já o prémio de melhor curta do Motelx com Thursday Night, Faz-me Companhia foi um dos filmes a concurso para melhor longa metragem de terror europeia. Um filme onírico e etéreo que acompanha o fim de semana romântico de duas amantes numa moradia algures na costa alentejana, Faz-me Companhia comprova sem margem para dúvidas que Gonçalo Almeida é um realizador a ter em atenção para o futuro. A fotografia e a realização, a lembrar filmes como Hagazussa (vencedor deste prémio na edição do ano passado do Motelx) elevam o cinema de Gonçalo Almeida para outros patamares, e a escolha de dirigir o argumento misterioso pelo drama psicológico e de paranóia ds suas protagonistas permite ao espectador saborear, a seu tempo, um filme que se constrói com deleite artístico. Cleia Almeida e Filipa Areosa entregam duas belíssimas interpretações neste que é provavelmente o filme português de género mais interessante desde Coisa Ruim. Estaremos atentos ao futuro de Gonçalo Almeida e que Faz-me Companhia seja o incentivo para que o cinema português aposto mais na oferta do cinema de terror.



The Lodge (2019)

Outro belíssimo filme de terror nesta edição do Motelx, com a presença dos realizadores Severin Fiala e Veronika Franz, The Lodge é uma lição sobre como filmar a claustrofobia e a paranóia naquele que foi provavelmente o melhor filme a ser exibido no festival a seguir a Midsommar. Um filme que joga com o trauma de infância da sua protagonista, a madrasta que se vê isolada numa casa perdida na neve com os dois filhos do seu companheiro, The Lodge vai beber, descaradamente, às influências de The Thing ou The Shinning. Os realizadores, igualmente argumentistas, conseguem criar uma atmosfera psicologicamente adversa, desconcertante e desnorteante, tanto para os seus protagonistas como para o espectador. The Lodge é um filme cruel, mas não implacável, que alimentará os fãs do género e seria uma pena se não tivesse direito a estreia comercial no nosso país.





Come to Daddy (2019)

A estreia na realização de Ant Timpson, protagonizada por Elijah Wood, foi o filme escolhido para a sempre animada sessão de encerramento do Motelx. Come to Daddy é um filme original difícil de qualificar. É certamente um filme de género que orgulhosamente se move dentro do drama familiar, do gore e da mais refinada comédia negra, sem pudores no que toca à mudança de direcção e sem medos de tornar o seu ridículo e improvável argumento em algo de estranhamente realista. Come to Daddy consegue dar ao espectador um raro prazer no seu visionamento, sendo desafiador ao mesmo tempo que é confuso, mas nunca perdendo o fio do seu improvável argumento. Foi uma belíssima maneira de terminar aquela que foi uma das melhores edições do Motelx de que há memória. Para o ano há mais.