sábado, 24 de novembro de 2018

The House That Jack Built (2018)


Von Trier Destruindo o Prazer do Cinema

Logo na sua estreia mundial, em Cannes, The House That Jack Built ficou falado pelo facto de centenas de espectadores terem abandonado a sala a meio da projecção. O novo filme de Lars Von Trier teve a sua estreia em Portugal no Lisbon & Sintra Film Festival e, embora não tenham sido centenas a abandonar a sala, houve direito a desmaios e a uma boa fatia de desistentes, que muito bem se recusaram a ver o mórbido espectáculo que Von Trier orgulhosamente mostrava no écrã até ao seu final. Quem ficou até ao fim foi corajoso e já sabia ao que ia, mas esta é uma experiência que não se pode recomendar a ninguém. Matt Dillon interpreta Jack, um serial killer nos anos 70, inicialmente descrito como inteligente e obsessivo compulsivo. Observamos o protagonista a perpetrar vários homicídios e mutilações, sempre através do seu ponto de vista, de forma hiper realista, graficamente violenta, repugnante e tóxica. As duas primeiras situações, a primeira protagonizada por Uma Thurman, estão habilmente construídas pelo realizador, com um interessante desenvolvimento da personagem de Jack e uma dose generosa de humor (muito) negro para quem tiver estômago para isso. À medida que em jeito de diálogo narrativo o protagonista e o seu confidente vão comparando os homicídios a arte, bem como explorando a personalidade psicótica de Jack (não confundir com Matt Dillon, coitado), entramos num terceiro momento em que o assassino leva a passear uma mulher e os seus dois filhos, crianças, ensinando-os a caçar no campo. É aqui que boa parte da sala se levanta para abandonar a projecção. O que se segue é um espectáculo de horror psicológico de um nível de violência de tal forma grotesco que não temos memória e provavelmente nunca vimos antes em cinema. Dir-se-ia algo a roçar o ilegal, certamente perigoso e que não deveria sequer ter lugar numa sala de cinema. Jack não se fica pelos homícidios, e aqui pouco importam os spoilers porque se torna impossível apreciar The House That Jack Built enquanto filme. Este produto de Lars Von Trier transforma-se numa experiência penosa mesmo para o espectador mais frio e com estômago de aço e ver o filme até ao fim foi provavelmente o maior dos erros deste vosso escriba. Von Trier desinteressa-se pelas características da sua personagem e rapidamente transforma o filme num espectáculo degradante de provocação gratuitas. Dir-se-á que já se viram por aí filmes muito violentos e perturbadores, como por exemplo Saló, Martyrs, Canibal Holocaust ou A Serbian Film. Nenhum deles se aproxima à entranha tóxica da violência física e psicológica que é The House That Jack Built. A determinada altura torna-se demasiado evidente que Von Trier, além de estar a provocar o espectador comum, está também a metaforizar através deste filme a sua própria obra no cinema bem como as críticas de que tem sido alvo pessoalmente. Basta para isso recordar a altura em que foi banido de Cannes por se ter comparado de forma nefasta a Adolf Hitler, que curiosamente tem aqui o seu fantasma presente através da participação de Bruno Ganz, actor que interpretou o ditador em The Downfall, bem como através da utilização de imagens de arquivo de campos de concentração editadas juntamente com imagens dos próprios filmes de Von Trier, tudo à medida que a narração de Dillon e Ganz falam sobre arte de forma pretensiosa. Se The House That Jack Built já era um filme nefastamente gratuito só por si, este exercício narcisista do realizador só faz com que tenhamos pena da sua pobre alma torturada. O ponto aqui é que o espectador não tem a função de se sentar numa sala de cinema, com bilhete pago, para fazer de psiquiatra do realizador. A única coisa que se salva é a interpretação de Matt Dillon, muitos dirão a melhor da sua carreira, e merece uma estrela de xerife por isso. Ainda assim não se entende no que estava o actor a pensar ao aceitar papel tão desprezível. Haverá quem tente procurar em The House That Jack Built alguma explicação filosófica artística, mas estamos convencidos que aqui não há nada disso. O objectivo de Von Trier foi cumprido: criou um filme chocante e esticou a corda até romper. A experiência está feita, mas os resultados não vão além da repulsa que já estava prevista. No seu epílogo, Von Trier destapa um pouco da sua criatividade artística mas já é tarde demais para querermos saber. The House That Jack Built não devia ser visto por mais ninguém. Leiam spoilers na internet se estão curiosos, é mais que suficiente.

Porque é bom: Matt Dillon tem aqui uma grande interpretação, alguns dirão a melhor da sua carreira

Porque é mau: Este é um filme absurdamente grotesco, violento, provocatório e tóxico; é uma experiência nefasta e desagradável sem grande ponto filosófico, artístico ou coerência narrativa, mesmo na caracterização do seu protagonista; Von Trier roça a ilegalidade ao filmar com uma lente hiper-realista violência e mutilação contra mulheres, crianças e animais, de forma absolutamente gratuita, que levará, e bem, muitos a abandonar a sala; por cima de tudo isto, Von Trier faz metáfora explícita com a sua própria filmografia e imagens de arquivo do holocausto, num exercício narcisista triste de se observar; a criatividade visual do realizador é deixada para o seu epílogo e nesse momento já não queremos saber.

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