sexta-feira, 23 de novembro de 2018

Suspiria (2018)


Em 1977 Dario Argento criou um filme de culto intitulado Suspiria, portento cinematográfico e sensorial, paradigma do género Giallo do cinema italiano. Por muito que se queira avaliar esta reimaginação de Luca Guadagnino de forma isolada, não há como escapar à referência que é o original e ao peso que o realizador italiano tem em mãos ao assumir o remake de tão singular filme. Nota-se bem o esforço de Guadagnino em não fazer apenas "mais um" remake, nesta que é a sua primeira incursão no cinema de género, ao mesmo tempo que Guadagnino é, ele próprio, um novo valor da realização auto-consciente que deu provas de qualidade com Call Me By Your Name, e é olhado por muitos como uma das grandes promessas, em parte já confirmada, do cinema mundial. Nota-se tanto esse esforço, peso e expectativa, que Guadagnino não tem outra saída senão reinventar Suspiria, mantendo apenas alguns dos pilares do argumento de 1977, o que inevitavelmente irá dividir a audiência. Se por um lado os fiéis do original de Argento verão nesta nova versão uma provocação pretensiosa, outros verão coragem e virtuosismo técnico, e na verdade, objectivamente, virtuosismo técnico, pretensioso ou não, será o melhor que Suspiria tem para oferecer. Guadganino consegue com sucesso criar um filme acerca do thriller do movimento, tendo como pano de fundo a dança contemporânea de uma mão cheia de actrizes competentes. Pena que uma delas não seja Dakota Johnson, a protagonista, que falha aqui provavelmente a sua grande oportunidade de se afirmar como actriz a ter em conta. Temos dificuldade em entender a a escolha da actriz para liderar as interpretações, quando temos no mesmo filme actrizes tão capazes como Chloe Grace Moretz ou Mia Goth a desempenhar papéis menores. Dakota Johnson é uma espécie de actor canastrão no feminino, um símbolo do cinema trash (e não estamos a falar do género) cuja presença é difícil de justificar a menos que seja interpretada com ironia perante o próprio papel que desempenha: o de uma rapariga cega que se recusa a ver as evidências à sua volta, mas cuja personagem assume um desenvolvimento inexplicável na recta final do filme. Em antítese temos Tilda Swinton, num triplo papel indecifrável não fosse a consulta à ficha técnica de Suspiria, tal é o majestoso trabalho de caracterização que a actriz sofre por forma a desempenhar mais dois papéis além do da professora viciada em nicotina Madame Blanc. Tilda Swinton dá clave à pauta do filme e é um pilar fundamental na obra que Guadagnino pretende produzir. Poder-se-ia de resto fazer um enquadramento histórico de um Berlim pós-guerra, metaforizado sem grande destreza na linha narrativa do professor que perdeu o rasto à sua amada na 2º Guerra Mundial, mas é quando entra por esses caminhos que este novo Suspiria se torna balofo e soberbão, e o esforço de Guadagnino em querer oferecer ao espectador algo diferente começa a transbordar para o excessivo. O clímax que antecipamos ao longo do filme acontece na maior homenagem visual a Argento que podemos observar nesta nova versão, com um filtro vermelho atordoante, que, no final, questionamos se não irá beber mais à influência de mother! de Aronofsky do que ao clássico de 1977. Palavra para a banda sonora de Thom York, agradável no score, mas invasiva e inconsequente nas canções originais.. como se estivesse a mais. Enfim, lá esforço e mérito existe, e Guadagnino consegue de facto fazer algo de inovador no fenómeno dos remakes, mas este novo Suspiria está longe de ser a obra-prima inteligente que por vezes parece forçar no espectador. Ainda assim, existe um enorme prazer ao ver a criatividade do realizador em acção, por muitas falhas que existam. Pelo menos arriscou, e isso já é dizer muito.

Porque é bom: Realização e abordagem inovadoras de Guadagnino ao fenómeno do remake; interessantíssima e original exploração da dança e do movimento em cinema de género; o tom que Tilda Swinton dá ao filme eleva-o; o belo efeito do terror psicológico e desconcertante

Porque é mau: O esforço de Guadagnino em querer fazer algo de inovador no cinema de género é por vezes excessivo; algum do subtexto de Suspiria, como a sua contextualização pós-guerra, é balofa e desnecessária; Dakota Johnson não deve ter mais oportunidades.

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