segunda-feira, 22 de outubro de 2018

Venom (2018)


Mais um filme da Marvel, mais um fenómeno de bilheteiras produto de um marketing sedutor que procura rentabilizar este fenómeno que tem sido presença assídua na indústria do cinema. Curioso é que, ao contrário do que tem sido regra, Venom não tenha tido as belas reviews que a crítica norte-americana tem vindo a atribuir aos filmes da Marvel. Temendo estar a ferir ou provocar algum tipo de religião marveliana mais extremista, purista perante a coerência narrativa dos filmes deste estúdio perante os comics que lhe dão origem, e aparentemente implacável perante os seres exteriores, entre os quais me coloco, que não conhecem de forma profunda o lore e o canon destes super-heróis, ou anti-heróis, ou outro rótulo qualquer que lhes caiba, procurar-se-á, como sempre aliás, escrever a crítica mais objectiva possível para não ferir susceptibilidades. Desta vez, no entanto, a tarefa está facilitada uma vez que, por alguma misteriosa razão, parece ser consensual que Venom não é um grande filme. De facto não o é. Espantosamente consegue, ainda assim, ter uma alma cinematográfica bem mais genuína que muitos dos seus pares fílmicos como Spider-Man: Homecoming, Black Panther ou Deadpool. Vejamos porquê... Venom, protagonizado por Tom Hardy, consensualmente um dos actores mais interessantes da sua geração, apresenta-se na sua primeira metade de forma pausada, construindo uma espécie de mistério body horror trash que até está bem conseguido enquanto entretenimento descomprometido, dando-se de barato os seus buracos narrativos. Ao finalmente surgir na tela, após enorme antecipação, Venom é um ser terrível e viscoso muito bem conseguido, logrando Ruben Fleischer, o realizador responsável por Zombieland, passar uma ideia de claustrofobia curiosa, esquizofrénica, que o quiçá ainda mais viscoso e suado Tom Hardy consegue eficazmente incorporar enquanto Eddie Brock, um jornalista que tem como agenda desmascarar o presidente de uma das empresas mais poderosas do Mundo e que se dedica à exploração espacial. Essa primeira metade tem algum mérito, desviando-se, em termos muito abstractos, da tendência narrativa comum aos filmes da Marvel, lembrando mais o cinema trash chunga de Steven Seagal do que propriamente um filme de super-heróis de banda desenhada, e isso é belo. A meio, como que subitamente invadido por um qualquer parasita vindo do espaço, Venom (bicho e filme) muda de tom, muda de objectivos, muda de filme. A narrativa de romance quebrado entre Tom Hardy e Michelle Williams torna-se embaraçosa ao invés de ser apenas baratucha, e todo o argumento, que já estava orgulhosamente ciente dos seus buracos e fazia deles vantagem, vira queijo suíço, com uma série de acontecimentos e desenvolvimentos de personagem inexplicáveis, interpretações ridículas, one-liners memoráveis e um CGI tão espalhafatoso que custa ver. A plateia cerra os dentes perante o embaraço que desfila na tela, lembrando o inexplicavelmente mau Snowman com Fassbender, que apenas pode ser explicado por problemas na sala de edição e na produção. Ainda assim, tal vergonha alheia consegue reerguer-se dentro da sua mediocridade para ser uma mediocridade... francamente divertida, e aparentemente sem querer importar-se com as consequências dessa mediocridade. Porque não podem todos os filmes da Marvel ser assim? Sem moralismos ou mensagens sociais, sem se levarem demasiado a sério, sem quererem mostrar o profundo drama de personagem que se eleva perante o estereótipo light do filme de super-heróis, tornando-o o que muitos julgarão ser um "filme a sério"? Todo o cinema é cinema "a sério", um pior, outro melhor. Pelo menos Venom tem a humildade de saber aquilo que é, e mostra-o sem complexos de inferioridade.

Porque é bom: Primeira metade agradável, misteriosa, com um build up de horror curioso pela apresentação da personagem Venom; acção, romance e lógica narrativa orgulhosamente trash e divertida; não tem complexos de inferioridade por não tentar ser um filme pretensamente mais sério do que é, indo contra a corrente da Marvel.

Porque é mau: A partir de metade do filme, o tom realista, misterioso e de horror é deitado para o lixo e Venom assume-se entretenimento de sarjeta, com uma narrativa, interpretações, plot-holes e efeitos especiais medíocres e humilhantes, com one-liners que deixam o espectador incrédulo com o que se está a passar; a segunda metade parece inacabada, com falhas de montagem gritantes a lembrar Snowman; consegue ser tão mau que se torna bom.

Sem comentários: