Spike Lee é um dos nomes sonantes da indústria de Hollywood no que toca à luta pela igualdade racial, nem sempre pelas melhores razões, sempre ciente da sua controvérsia e de algum radicalismo que por vezes insiste em inserir no seu cinema. Realizador com uma capacidade de observar de forma mordaz as temáticas raciais, é no mínimo estranha a preguiça com que gere muitos dos projectos da sua já extensa filmografia, como Da Sweet Blood of Jesus ou o medonho remake de Oldboy, principalmente quando bem sabemos que Spike Lee é capaz de muito melhor, e para isso basta recordar Malcolm X, 25th Hour ou Inside Man. Com este BlacKkKlansman Spike Lee está irreconhecível na forma como dirige o filme pelas melhores razões. Este é, provavelmente, o melhor filme da sua carreira. Baseando-se na história daquele que é apelidado na tela como o primeiro detective afro-americano do Colorado, o filme fala como o detective Ron Stallworth, interpretado habilmente pelo ainda inexperiente em cinema John David Washington, filho de Denzel Washington, se infiltrou num grupo de Ku Klux Klan com a ajuda de um dos seus colegas brancos, um Adam Driver seguro como já nos tem vindo a habituar. Dotado de uma estrutura invulgar a duas velocidades: construção de tensão a ritmo lento e descompressão com humor sagaz e provocatório, esta é uma obra política sem o esfregar na cara do espectador, antes jogando com os seus conceitos e preconceitos quanto à actual era trumpiana. É isso que o torna refrescante quando comparado com o peso de filmes "awareness" recentes como Detroit ou Selma. E o curioso é que, sendo peso pluma na forma descomplexada como apresenta a temática racial, BlacKkKlansman acaba por dar um soco no estômago bem mais forte que a maioria dos seus pares. Está lá a moral da historia: a problemática racial pouco evoluiu nos Estados Unidos desde os anos 70 até aos dias de hoje. No entanto, é precisamente também essa aura de anos 70, com alusão directa aos buddy cop movies da década, que Washington e Driver tão bem corporizam, bem como todo o contexto cultural de época, desde o guarda roupa à banda sonora, que habilmente fazem com que o filme político e social de Spike Lee se transforme num objecto de belíssimo entretenimento, que não se coíbe de piscar o olho ao terror racial introduzido por Get Out, fazendo-o aqui de forma bem mais eficaz. A forma como Spike Lee apresenta os membros do Ku Klux Klan, um grupo de campónios aselhas com um complexo de paranóia, move-se na fina linha entre o real e a caricatura, soltando risos da plateia, mas ao mesmo tempo horror perante a realidade palpável das suas acções. Num momento memorável, Adam Driver assiste com os seus confrades do KKK a Birth of a Nation, o controverso épico de mais de 3 horas de 1915, realizado por D. W. Griffith, um dos pais atentos do cinema narrativo, filme que pautado por uma controversa temática racista aborda a Guerra Civil Americana e a génese do KKK. Um misto de incredulidade, horror e comédia abata-se sobre a sala. BlacKkKlansman põe o dedo na ferida com uma rara eficácia, antes de arrasar o espectador com o seu segmento final.
Porque é bom: Um misto refrescante de thriller, comédia e horror, que põe o dedo na ferida da temática da desigualdade racial nos Estados Unidos de forma descomplexada e com uma narrativa light na forma, mas pesada no conteúdo; o cenário 70s e o duo buddy cop composto por John David Washington e Adam Driver; estrutura formal invulgar a duas velocidades, alternando entre tensão e descompressão.
Porque é mau: Na tarefa hercúlea de entregar um produto tão complexo, por vezes Spike Lee é forçado a cortar num desenvolvimento de personagem que seria mais que bem-vindo, em particular no seu protagonista.
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