Após uma estreia algo descontextualizada, o segundo dia da 11ª Edição do MOTELX embalou bem para a exibição de filmes interessantes no âmbito do fantástico/horror. Vimos o canadiano The Void, um call back ao body horror de Carpenter, o drama vietnamita negro e violento de Kfc e o thriller/comédia negra El Bar, de Álex de la Iglesia, um filme que teria assentado que nem uma luva para abrir as hostilidades se tivesse sido exibido no primeiro dia.
The Void: É sempre um prazer ver que ainda existem cineastas amantes do género de terror que gostam de elogiar as suas principais influências através do seu cinema, e The Void procura seguir as pegadas de Carpenter, e em particular de The Thing, com os seus practical effects artesanais em detrimento do já mais que mastigado CGI, que no horror low-budget corre sempre o risco de ser mais ridículo do que assustador. The Void começa muito bem, com as suas personagens genéricas barricadas num hospital de província com pouca ou nenhuma actividade, cercados por figuras encapuzadas assustadoras. O body horror monstruoso artesanal e o seu mistério começa a tomar muito bem conta do écrã, numa primeira meia hora optimista e entusiasmante, mas a partir daí, quando o argumento começa a desenvolver para elementos do oculto sem qualquer fascínio para o espectador, começam a descobrir-se as fragilidades e The Void torna-se um filme empapado, confuso, lento e desinteressante, com os seus momentos finais, em oposição ao seu aliciante início, a revelarem-se uma verdadeira prova de resistência. Perto do final, uma personagem pergunta "Is it over?". Sim, finalmente.
Kfc: O quase desconhecido pela internet Kfc, filme vietnamita, entra directamente na restrita lista de filmes mais negros e perturbantes que já foram exibidos no Motelx. Apesar das suas temáticas psicologicamente pesadas, que incluem necrofilia, canibalismo ou tortura, e que caberá ao espectador apreciar como livremente entender, Kfc é um filme com uma cinematografia, realização e argumento notáveis que o colocam num patamar acima daquilo que normalmente observamos no festival. A sua estética, sempre cuidadosamente composta, é ao longo da sua bem equilibrada duração de 68 minutos algo de maravilhoso, acompanhando um argumento fragmentado muito bem construído e embrulhado que acompanha um conjunto de personagens que, fruto de causa e efeito nas suas vidas, se vêm afectados por acontecimentos macabros que são, nas palavras do realizador, um elogio ao mal, que está sempre presente mas é sempre discriminado em relação ao bem. Há mais alma e substância em cada uma destas personagens interligadas, provavelmente com menos de 15 minutos de écrã cada, do que na esmagadora maioria das produções cinematográficas de hoje. Quando observamos de onde veio e qual a sua origem, um projecto universitário vietnamita, o mérito sobe ainda mais. Kfc, uma crítica à amoralidade fast food que pauta os nossos dias nos mais pequenos detalhes, é uma pérola de cinema na programação deste ano do Motelx, um filme que cumpre tudo aquilo a que se propõe, com excelência.
El Bar: Álex de la Iglesia, nome robusto do cinema de género espanhol habituado a aliar o thriller e o fantástico à comédia negra trouxe ao Motelx provavelmente o maior destaque do dia. A premissa, já vista noutras ocasiões, é sempre interessante pelo seu mistério: numa manhã num bairro de Madrid, um grupo de estranhos fica preso dentro de um café quando dois dos seus clientes são aparentemente mortos por um sniper ao sair. Sem respostas para o motivo, numa alegoria negra ao terrorismo moderno, a imaginação dos restantes clientes comporá o resto da trama. Na sua primeira metade El Bar é verdadeiramente maravilhoso, brincando de forma ácida com os estereótipos das suas personagens e com pequenos detalhes da "cultura de café" espanhola, como as tortillas e as máquinas de jogo, com interpretações teatrais deliciosas que remetem para as actuais comédias espanholas e francesas pela sua pormenorização (a dona do café é irresistível). Há que dar mérito ao realizador pela forma como a comédia negra de mistério se vai a pouco e pouco transformando num thriller mais visceral, mais sério, mais filosófico ao escalar o rumo dos acontecimentos para uma luta desmesurada pela sobrevivência individual. O problema é que essa filosofia, a tal verdadeira "essência humana", é algo que hoje em dia já é bacoco no cinema, é algo tão básico que irá apenas surpreender os mesmos jovens que ao ver Battle Royale aos 15 anos acharam que estavam perante o filme mais profundo alguma vez filmado. El Bar, na sua segunda metade algo genérica (mais genérico que isto só um sem abrigo a citar constantemente a Bíblia), foca-se demasiado nesse drama inter-personagem, mas ao mesmo tempo consegue ser thriller eficaz, com um belo desenvolvimento de personagens e um trabalho de camera a lembrar os corredores de Alien, entre outras referências. El Bar é um bom filme que perde solidez com o tempo, mas os seus bons momentos são tão bons que fazem esquecer o rumo menos original que acaba por levar e que teria assentado que nem uma luva na sessão de abertura do Motelx.
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