quinta-feira, 23 de março de 2017

The Autopsy of Jane Doe (2017)


Engraçada a forma como o terror é o único género cinematográfico que permite ao seu bom cineasta obedecer a determinadas regras formais sem nunca parecer desgastado, ainda que seja, evidentemente, um género saturado. Há espaço para tudo, e a maioria do terror moderno é preguiçoso e cobarde ao preferir o caminho seguro ao invés de arriscar a originalidade quando esta é talvez a área onde essa originalidade mais seja precisa. E não é preciso grande coisa. Basta um bom mistério, um bom trabalho de camera, um bom cenário e não cair na esparrela de dar demasiadas respostas ao espectador. O momento de maior prazer da audiência do cinema de terror reside no desconhecido e no suspense. Uma vez perdido isso perde-se tudo, e nas sequelas é fatal, como foi com Insidious. Ainda assim há outros que percebem a sua posição e criam novo mistério como a excelente sequela de The Conjuring. Outras vezes, quem brilha mais são estas pequenas pérolas minimalistas que nos relembram as bases realmente importantes do género, as Autópsias de Jane Does, os Innkeepers de Ti West, os Invitations de Karyn Kusama, os It Follows de David Robert Mitchell... The Autopsy of Jane Doe não é um filme isento de amadorismos pastilhentos no que toca a diálogos e reacções das suas duas personagens, pai e filho, médicos-legistas (dois bons actores Emile Hirsch e Brian Cox com interpretações "q.b.") que se vêm em mãos com a autópsia de uma desconhecida encontrada enterrada numa casa onde ocorreram os homicídios horrendos de uma família. No entanto, no que realmente interessa, é altamente eficaz, directo, conceptual na medida em que o mistério se adensa com o progressivo retalhar anatómico desta Jane Doe em tão exíguo cenário, causando calafrios na curiosidade do espectador, intrigado com toda a situação, concentrando a atmosfera de horror cada vez mais incompreensível e, assim, temível. Tarefa mais difícil seria eventualmente afastar-se das regras autoritárias das cansativas e repetitivas séries televisivas que desgastaram este tipo de trama, mas A Autópsia até nisso consegue guiar para fora dos carris, adicionando pitadas de sal aqui e ali, partindo lâmpadas, abrindo gavetas da morgue, criando estática na rádio. Tudo para o encolhido na cadeira deleite daqueles para quem foi feito, e muito bem feito.

Porque é bom: Mistério progressivo que adensa a sensação de horror em quem o vê; dois bons actores, com interpretações carismáticas quanto baste; consegue afastar-se dos clichés de género, tão esbatidos pelas séries televisivas de investigação criminal; excelente atmosfera de horror; original

Porque é mau: Momentos amadores e cliché em alguns diálogos e reacções das personagens, perdoáveis; a parca explicação final não consegue estar ao nível da excelente atmosfera de horror.

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