A grande questão que se coloca através deste terceiro capítulo do mito John Wick é a mesma que já se havia colocado nos dois primeiros: poderá este ser o melhor filme de acção de sempre? Chad Stahelski, o realizador que assina todos os capítulos, e que são os únicos 3 filmes que jamais realizou, teima em fazer-nos acreditar que no género de acção existe cinema grandioso, um cinema cinético capaz de cumprir a cartilha do género e sucessivamente ultrapassá-la. Relembremos as origens do cineasta, um stunt double com mais de 70 películas na sua filmografia que, apesar de já ter trabalhado como assistente em alguns filmes de acção, nunca havia dirigido um até ao icónico primeiro capítulo de John Wick. John Wick, o tal assassino lendário que sai da reforma após o filho do líder da máfia russa em Nova Iorque ter morto o seu cãozinho e roubado o seu carro. É a partir deste conceito tão exageradamente bizarro, e ao mesmo tempo tão auto-consciente da sua bizarria, que se constrói o prazer que é ver Keanu Reeves a interpretar o assassino indestrutível, de cabelo comprido, fato e gravata, liquidando um e depois outro através dos meios mais criativos que se possam imaginar. Dir-se-ia que a grande capacidade de John Wick 3 é a de manter a qualidade perante os seus antecessores, mas Stahelski insiste que é sempre possível aumentar a fasquia e isso reflecte-se na tela. Não se trata apenas de excelentes coreografias de acção, qual bailado clássico com o qual é feito paralelismo a determinada altura quando a veterana Anjelica Huston nos agracia com a sua presença no écrã. Stahelski insiste em criar e expandir o seu próprio mundo cinematográfico, agarrando e torcendo todos os clichés que isso possa significar, quer no que diz respeito ao género de acção, quer no que toca ao próprio conceito de mundo cinematográfico que hoje em dia está tanto na moda. Em John Wick não existe qualquer vergonha na cara, e o realizador já o admitiu sem rodeios ou falsos preconceitos: "enquanto as pessoas quiserem ver novos capítulos de John Wick, nós vamos continuar a fazê-los". Alguma vez terá existido tamanha humildade na construção de um franchise? Dificilmente. E é esse o grande mérito da saga, o de saber reconhecer aquilo que é e não se perder em querer ser algo de maior ou diferente, em criar um argumento particularmente inteligente ou um sentimento de grandiosidade que acompanhe as suas personagens. Não se trata de um thriller, ou de um filme de aventura com objectivos maiores. John Wick antes prefere dar ao espectador aquilo que ele pede: as cenas de acção mais bem coreografadas e filmadas do cinema moderno, aliadas a um argumento ridiculamente místico, sempre bem ciente do seu próprio exagero. É impossível levar John Wick a sério, e Stahelski reconhece-o logo à partida ao fazer de Keanu Reeves a sua estrela principal: um canastrão underrated que se move atabalhoadamente, repleto de one liners capazes de encher as medidas ao maior aficionado do cinema de acção. Aos 54 anos podemos afirmar que Keanu Reeves nasceu para este papel. Para este terceiro capítulo o realizador vai ainda buscar Halle Berry, juntando-a ao protagonista em determinado segmento do filme. Apesar do brilhantismo da acção presente nesse segmento, ao dividir o protagonismo, perde-se algum do prazer que todo o lastro que Keanu Reeves carrega com ele enquanto protagonista solitário e invencível da sua própria saga. Felizmente rapidamente o argumento se apercebe disso e volta a colocar Keanu Reeves sozinho contra o mundo nos néons de uma Nova Iorque ficcionada, com uma fotografia de rara audácia e qualidade que nunca se deixa cair nas armadilhas da nova tendência neo-noir de cineastas como Winding Refn. Voltando a piscar o olho ao melhor de Bruce Lee, e ressuscitando o final épico intra-espelhos de Enter the Dragon que já havia explorado no segundo capítulo, Keanu e Stahelski continuam a bombardear o espectador com mais e mais daquilo que este foi pedir ao comprar o bilhete para ir ver John Wick 3, atingindo níveis de entretenimento de acção raramente vistos e que levam os espectadores em sala a aplaudir a tela. Tomara que todos os filmes de acção fossem assim, despretensiosos, isentos de falsos moralismos e bem cientes do entretenimento que estão a oferecer ao espectador em troca de uma saga que se tornou uma máquina de fazer dinheiro, e que irá continuar a fazer enquanto o espectador o quiser. Qual é o problema disso? Terá Stahelski descoberto a fórmula para fazer o filme de acção perfeito? Parece-nos que sim. Mas parece que o próximo poderá sempre ser ainda melhor e mais focado. E é isso que esperamos para o já anunciado 4º capítulo. John Wick é já uma personagem de culto, e é ele que queremos continuar a ver. Venham os próximos, sejam eles quantos forem.
Porque é bom: Provavelmente as cenas de acção mais bem coreografadas da história do cinema; o papel que Keanu Reeves nasceu para interpretar, com todo o lastro de canastrão que conseguiu reunir ao longo da sua carreira; uma realização e fotografia brilhantes; a humildade com que o realizador Stahelski admite continuar a saga de John Wick para satisfazer os fãs, cada vez com maior ambição.
Porque é mau: Em determinado segmento, quando Reeves divide o protagonismo com Halle Berry, John Wick 3 acaba por perder algum do misticismo que o seu protagonista solitário carrega às costas e que o eleva ao estatuto de personagem de culto.
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