sexta-feira, 7 de setembro de 2018

MOTELX 2018 - Críticas Dia #2: mon mon mon Monsters (2017), The Tokoloshe (2018), Unsane (2018), Cam (2018), Mandy (2018)

Após uma abertura que deixou algo a desejar com The Nun, o segundo dia do Motelx 2018 foi surpreendentemente interessante, com 5 ofertas variadas de grande qualidade, duas delas bem sonantes. Não houve nenhum mau filme, mas também não se pode dizer que Mandy tenha sido a obra-prima que muitos apregoam. Cam surpreendeu pela positiva, Unsane de Soderbergh é uma bela experiência, e Tokoloshe por culpa própria não consegue ser o grande filme do dia.

mon mon mon Monsters: Filme taiwanês de belo efeito, mon mon mon Monsters consegue adjectivar, com muitas hipérboles e metáforas, os fantasmas de alguma cultura violenta juvenil, nomeadamente o bullying, os abusos perante idosos ou a pressão social, que muitas vezes parte do próprio corpo docente nas escolas. Aqui, uma traumatizada vítima de bullying é forçada a cumprir castigo com os seus bullies ajudando idosos num prédio degradado. É aí que encontrarão duas criaturas demoníacas, capturando uma delas e colocando-a num cativeiro escondido para satisfazer todos os seus desejos de tortura e abuso de dignidade, à medida que a outra criatura a tenta encontrar, não parando perante nada. mon mon mon Monsters consegue repulsar o espectador perante a desvalorização da vida humana e... desumana, questionando, ainda que com muito estilo e exagero digno de algum cinema asiático, quem serão afinal os verdadeiros monstros. Pena que à medida que caminha para o seu final, o filme se perca um pouco no seu labirinto moral, terminando com um epílogo algo desconexo que quase deita a perder aquilo que de bom construiu até então.



The Tokoloshe: Raro exemplo de cinema africano de terror que chega a uma sala portuguesa, Tokoloshe várias vezes morde os calcanhares daquilo que seria um grande filme. Busi é uma jovem que se vê forçada a abandonar a província Sul Africana para trabalhar na metrópole de Joanesburgo enquanto empregada de limpeza num hospital degradado para assim salvar a sua irmã mais nova que ficou para trás. Os fantasmas de abusos sofridos ao longo da sua infância são sugeridos nos pesadelos da protagonista à medida que os vê ressuscitar perante a entidade vil que é o seu patrão sem escrúpulos. Quando se apercebe de que existem histórias de um demónio que assombra as crianças no hospital, Busi tem dificuldade em separar os seus demónios da realidade. Com temáticas bem actuais como os abusos sexuais, a desigualdade de género e os traumas culturais, mas longe de querer alimentar lições moralistas à boca do espectador com uma colher, Tokoloshe faz um trabalho quase brilhante, com um argumento sólido e uma cinematografia deliciosa, sempre com uma atmosfera misteriosa e perturbadora que agarra o espectador. A parte mais interessante, mas ao mesmo tempo mais frágil do filme, é o seu último terço, desenrolado no desolador cenário campestre africano da sua infância, no qual Busi terá de enfrentar os seus fantasmas familiares.



Unsane: Embora pragmático, Soderbergh é um mais inconformados realizadores norte-americanos do ponto de vista artístico actualmente. Numa altura em que ponderava parar de filmar, Soderbergh surge com este Unsane, um filme filmado exclusivamente com telemóvel que se assume série B orgulhosa através de uma história claustrofóbica e misteriosa, cuja estrutura invulgar impede o raciocínio do espectador de obter respostas às intrigantes questões que desfilam pelo écrã, quando uma energética Claire Foy se vê presa num instituto psiquiátrico contra a sua vontade, onde supostamente estará também um seu stalker. Com uma atmosfera heterogénea, mas surpreendentemente equilibrada, Unsane vai do humor negro ao thriller psicológico em poucos segundos. Com uma realização surpreendentemente criativa (este é talvez o filme experiência filmado a telemóvel mais interessante até hoje), Unsane é um objecto fascinante, mas nunca consegue subir o derradeiro degrau que elevaria esta belíssima experiência para algo mais, talvez por nunca concretizar os demónios da paranóia sexual que tão astutamente soube trazer à baila.



Cam: Certamente um dos filmes mais originais a passar neste Motelx, Cam entra no mundo das camgirls que se exibem em chat rooms online em directo a troco de dinheiro dos seus visualizadores. Madeline Brewer faz um bom papel como modelo que subitamente vê a sua identidade misteriosamente roubada online e duplicada numa chat room de uma forma asfixiantemente misteriosa. Procurando resolver o mistério, Cam joga com as paranóias, medos e incertezas de um desconhecido mundo online, e o roubo de identidade num meio tão estranho e potencialmente perigoso, mas com uns bastidores rotineiros e estranhamente familiares, desmistificando ao mesmo tempo o mundo familiar e profissional destas modelos. Ainda que não se consiga desligar de uma certa atmosfera cool juvenil, Cam é um thriller belíssimo e original que pisca o olho ao revivalismo neo noir que tem aparecido nos últimos anos no cinema norte-americano.



Mandy: Era o prato forte deste segundo dia de Motelx. Mandy, a trip alucinatória movida a lsd de Panos Cosmatos, protagonizada por Nicolas Cage, não é exactamente aquilo que aparenta, mas é precisamente nessa indecisão quanto à forma que acaba por perder a sua força. Aquilo que aparentava ser um revenge movie ao estilo grindhouse, com Nic Cage a regressar ao território onde o seu carisma melhor dá cartas, é afinal uma obra cinematográfica de experimentalismo formal e estético, relembrando, pelas piores razões, detritos abjectos como Spring Breakers ou algum do pior cinema de Nicolas Winding Refn. Cage vive com a sua companheira, a titular Mandy, numa casa algures nas montanhas do interior dos Estados Unidos, quando um culto religioso decide perturbar a sua idílica vida romântica, soltando a fúria do protagonista. O problema é que na tela o desenvolvimento da trama não funciona exactamente assim, com um ritmo lento e pantanoso, coberto de filtros de cor neo noir, dando mais protagonismo ao culto vilão e à irritante Mandy que propriamente à acção e loucura de Cage, cujo tempo de écrã é na verdade reduzido. É impossível fugir ao pensamento de que Mandy é, afinal de contas, um filme artisticamente pretensioso que não sabe o que fazer com aquele que é, de longe, o seu maior trunfo, e pior, conscientemente coloca-o em segundo plano, preferindo os devaneios estéticos e diálogos filosófico-balofos do pastor do culto à vingança propriamente dita que o filme teima em insinuar e prometer, mas que acaba por entregar de forma insuficiente e titubeante. Por outro lado é inegável o mérito estético que o filme apresenta. A sua criatividade, embora gratuita e inconsequente, compõe belos planos imagéticos. É também inegável que das poucas vezes que temos o prazer de ver Nicolas Cage a trabalhar o veterano actor protagoniza cenas poderosas com uma maravilhosa entrega. Fica um sabor agridoce. Dependerá da disposição do espectador e do seu gosto pessoal, mas Mandy enquanto conjunto será objectivamente um filme desequilibrado e com um rumo incerto que, isoladamente, tem o mérito de apresentar sequências visuais e de acção com o potencial de atingir o culto cinematográfico.

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