Ao quinto dia, e 11 filmes depois, seria difícil arranjar motivação suficiente para apreciar mais algumas propostas da programação do Motelx 2016. Não fomos de modas e vimos 4 filmes de seguida. Foi um dia diferente, com homenagens e reposições, a António de Macedo no seu reeditado Segredo das Pedras Vivas, filmado em 1992, Mick Garris e novamente Ruggero Deodato, mas curiosamente foi o filme iraniano Under the Shadow, de 2016, que acabou por se revelar o grande filme do dia.
Under the Shadow: Que grande filme de terror, este Under the Shadow, demonstrando que não é preciso mostrar muito para se criar uma atmosfera envolvente e aterradora num ambiente original com personagens vivas, bem escritas e interpretadas. Esta produção iraniana, que tem lugar nos anos 80 em Teerão, após a revolução e em clima de guerra e bombardeamentos, é directamente comparável ao grande êxito, ainda que imperfeito, Babadook. Acompanhamos uma mãe, forte e moderna, no seu apartamento de classe média na capital iraniana, acompanhada pela sua filha que garante existirem demónios que raptaram a sua boneca. Em termos de ideia não é original (em 2016 o que é que faltará fazer?), mas Under the Shadow consegue escapar a alguns lugares comuns do género para criar uma experiência verdadeiramente envolvente e atmosférica, cujos demónios vão além dos sobrenaturais e passam para a própria história do Irão, o medo da guerra, as sirenes e a cultura de um país, aqui vista por dentro, onde andar na rua com o cabelo destapado é crime. Tecnicamente irrepreensível, com uma câmara rodopiante e urgente, mistura algumas convenções do terror dos anos 80 com uma apresentação mais moderna, apresentando uma identidade única, altamente eficaz para os fãs do cinema de terror. É, a par de The Witch e The Conjuring 2, o melhor filme de terror do ano.
O Segredo das Pedras Vivas: Filme português de António de Macedo, este é o produto da reedição da mini-série filmada em 1992 Altar dos Holocaustos. Uma das mais interessantes características do cinema europeu fantástico, assim como o pouco que se fez em Portugal, prende-se com a capacidade de introduzir o seu próprio folclore e mitos locais na temática do filme, explorando-as como que respirando a sua própria cultura através da imagem. O Segredo das Pedras Vivas não é excepção, falando-nos dos pré-históricos monumentos, menires, dólmens ou cromeleques, que se encontravam e encontram espalhados um pouco por toda a Europa, incluindo no nosso país. Algumas populações locais, e em particular esta que é retratada no filme, rodado no Alentejo, acreditam que estas pedras têm poderes mágicos e aqui, no enredo, existe um proprietário que as quer destruir para construir uma casa, o que lança o mote para uma história que se quer intrigante, mas que infelizmente acaba por ser ineficaz. O filme, a ritmo lento e tortuoso, começa misterioso mas rapidamente se arrasta para a logística do problema, pintando-se com um ou outro momento mais fantasista perdido numa escalada rumo a um desenlace moralista desinteressante que em nada se associa à identidade do local que estamos durante duas horas a contemplar. Notam-se bem algumas limitações temáticas, talvez por ser originalmente produto encomendado pela RTP, mas apesar de ter momentos interessantes, a atmosfera e contemplação de O Segredo das Pedras Vivas nunca vai além do razoável.
Critters 2: Mick Garris foi um dos convidados especiais do Motelx 2016, e por isso faz todo o sentido recordar a sua primeira longa metragem, Critters 2. Este é um daqueles filmes de terror/comédia que normalmente associamos aos anos 80 e que surge na senda do êxito de Gremlins. Aqui, e esta é uma sequela, a ideia é parecida, como foram outras: uns bichos trapalhões, engraçados mas mortíferos que aterrorizam uma pequena comunidade americana. Liberto de CGI, deliciamo-nos com os efeitos especiais práticos de Critters 2, praticamente extintos hoje em dia, com muitos bonecos e gosma para encher a barriga num bom momento de entretenimento. Isso não faz dele, como não fez em 1988, um bom filme. É uma parvoíce de filme, mas uma parvoíce bem divertida, e afinal de contas é esse o objectivo.
House on the Edge of the Park: Este foi o segundo filme de Deodato exibido no festival, curiosamente filmado no mesmo ano que Cannibal Holocaust, 1980, imediatamente no período de pós-produção deste último. Foi também o filme mais desagradável que vimos nesta edição do Motelx. House on the Edge of the Park é um exploitation horror puro, influenciado pelo primeiro filme de Wes Craven, The Last House on the Left. Neste filme observamos dois tipos duvidosos que se fazem convidados para uma festa de jovens ricos, tomando a casa de assalto e torturando/violando os convidados, e é apenas isso que observamos ao longo dos 90 minutos de filme. A camera de Deodato é de facto incisiva e exploratória, expondo o corpo feminino, humilhando-o às mãos do alucinado David Hess, que também havia sido o protagonista do filme de Wes Craven. Apesar de profundamente desagradável (é difícil dizer se as interpretações são ridiculamente más ou realisticamente boas), há algo de perversamente erótico na forma como Deodato filma. No reverso da moeda é irrealista e tem cenas que no limite não conseguem ser levadas a sério, roçando o rídiculo, mas um ridículo desconfortável, estranho e desconhecido. No final não sabemos bem o que vimos, odiamos o filme, mas há algum mérito na forma como atormenta e entra na cabeça do espectador, ele próprio vulnerável à perversão do realizador.
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