sexta-feira, 9 de setembro de 2016

Especial Motelx 2016 - Dia #2: The Wailing, Demon, The Neighbor, The Inerasable

O segundo dia do Motelx 2016 foi forte. Começou calmo e atmosférico com o japonês The Inerasable e atingiu um clímax que superou todas as expectativas com o sul coreano The Wailing. Foi isto que achámos do que vimos:

The Inerasable: O Japão continua a ser profícuo no que toca ao cinema de terror. De ano para ano as ofertas são muitas (não no circuito de cinema em Portugal, há que as procurar), mas infelizmente a qualidade que filmes como o The Ring original de Hideo Nakata trouxeram há uns anos tem sido cada vez mais escassa. The Inerasable coloca-se no meio da tabela. Debruçando-se sobre uma espécie de investigação sobre o histórico de registo predial de um terreno aparentemente amaldiçoado, Inerasable é bem realizado e atmosférico o suficiente ao ponto de se tornar arrepiantemente viciante à medida que as duas protagonistas escavam cada vez mais fundo a história daquele terreno e o que lá se passou ao longo de gerações. No entanto é algo soluçante e inconsequente, como que acabado à pressa, como se na verdade, depois de tantas histórias e intrigas o realizador simplesmente não soubesse qual a forma mais eficaz de encerrar o livro.



Demon: Produção polaca que tem recebido muitos elogios da crítica, este Demon é original, provocador, perturbador e... carregado de humor negro. Passado num casamento católico, o noivo começa a demonstrar comportamentos estranhos que alguns convidados associam a uma velha lenda local acerca de um demónio judeu. O argumento e ritmo do filme são deliciosos, a fazer lembrar um certo tipo de comédia europeia, aqui muito mais ruim e estranha devido aos próprios contornos de horror do filme, com personagens soberbamente escritas e interpretadas. Pena que o mistério meticulosamente progressivo não seja mais explorado, tornando-se apenas sugestivo e surreal, como uma gigante ponta que fica solta, que muitas vezes sabe bem, mas que aqui sabe a pouco, deixando um certo vazio incómodo para um espectador que foi tão bem preparado para algo mais ao longo de 90 minutos.



The Neighbor: Este é um daqueles filmes americanos low-budget que piscam o olho ao cinema série B, com todas as suas ideias mais que filmadas e mastigadas em inúmeros filmes, mas que aqui conseguem ter um certo charme apelativo que se traduzem num bom momento de entretenimento. Aqui estamos perante um casal de campónios século XXI algures no meio do Mississipi, que se dedicam a actividades ilegais, de poucos escrúpulos, e que de repente se vêm confrontados por um estranho vizinho que aparenta esconder algo. O que vem a seguir é uma história já muito vista, mas aqui o charme vem do casal protagonista, heróis improváveis, que de forma bem satisfatória carregam as boas decisões que são raras em thrillers do género. Com um visual vincado no Sul dos Estados Unidos, carros e guitarras bem introduzidas, The Neighbor é um filme inequivocamente agradável.



The Wailing: Prato principal do segundo dia do Motelx 2016, havia muita expectativa para este The Wailing que não só foi correspondida como ultrapassada. E não devemos falar dele de forma leve. Estamos perante um dos melhores thrillers sobrenaturais de todos os tempos e há que dizê-lo sem pudores! O realizador sul-coreano Hong-jin Na já havia dados provas fortíssimas na sua habilidade com o seu primeiro filme, The Chaser, um thriller policial que, libertando-nos das regras desse género de cinema americano, conseguia olhar olhos nos olhos portentos como Se7en de David Fincher. Com The Wailing o realizador mantém a fórmula base, mas adiciona-lhe o ingrediente do mistério sobrenatural que faz toda a diferença. Seguimos a personagem principal habilmente interpretada por Do Won Kwak, um polícia de uma pequena vila sul coreana, trapalhão, cobarde, mas com um coração grande, que se vê deparado com uma série de mortes inexplicáveis e violentas na sua vila que começam a ocorrer após um solitário japonês (outra enorme interpretação, de Jun Kunimura) se ter mudado para as redondezas. O filme, de cerca de duas horas e meia, progride a um ritmo progressivo exacto, qual relógio suiço, num misto de influências que vão da comédia dos detalhes do dia a dia, do trabalho e da relação com o polícia parceiro, ao adensar de um mistério surreal, mas ao mesmo tempo real, explorando os medos e crenças de cada um, e aqui desta pequena comunidade sul-coreana. Há algo de estranhamente realista em The Wailing. O comportamento das suas personagens, a actuação da polícia, as suas famílias, as suas fragilidades e medos, a chuva, os automóveis, as refeições... Parece que Hong-jin Na tem essa preocupação, de trazer o espectador comum a um filme que talvez, quem sabe, até pudesse ser real. Já havia essa sensação em The Chaser, mas aqui o prazer é diferente. Temos um mistério para resolver! E tudo isto podia ser aborrecido num filme tão longo, mas não é. Nunca. The Wailing vai-se renovando, inicialmente comédia leve caminhando-se para um horror sufocante, com inúmeros elementos de folclore local que dão ainda mais conteúdo e interesse à trama. Tudo isto se alia a uma cinematografia riquíssima, numa boa variedade de cenários, com planos meticulosamente construídos, objecto por objecto, num detalhamento visualmente delicioso que quase o conseguimos cheirar. Não há nada de negativo a apontar nesta experiência atordoante que sabe exactamente aquilo que está a fazer. Foi para filmes como The Wailing que nasceu o cinema de entretenimento.

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