terça-feira, 9 de março de 2021

Crítica: I Care A Lot (2021) - The Fading Cam

 


Não há dúvida que Rosamund Pike é uma das mais carismáticas actrizes a trabalhar no cinema norte-americano actualmente e o papel de cínica assenta-lhe que nem uma luva. É provável que o êxito de I Care A Lot se deva quase exclusivamente ao excelente trabalho dos seus actores, cada um mais "sedutor" que o outro, desde Peter Dinklage a Chris Messina, passando por Dianne Wiest, uma vez que o trajecto do realizador e argumentista J Blakeson está perto do medíocre. Será suficiente? Sim. É verdade que o argumento de I Care a Lot está esburacado e que a bem do rigor há muita coisa coisa que não bate certo, mas será isso assim tão importante num filme que vive do carisma das suas personagens e da sua metáfora? Essa metáfora, a do capitalismo imoral e desenfreado numa história onde não existem heróis e na qual somos forçados a torcer por uma protagonista que de sorriso aberto enriquece aproveitando-se dos mais fracos, transpõe uma sátira acertada que deve ser levada a sério na mesma medida em que o seu negríssimo humor desfila pela tela. Caso contrário corremos o risco de cair na esparrela de nos deixarmos afectar pelo falacioso raciocínio de que I Care a Lot está de alguma forma a glamorizar a exploração de idosos através de uma estética moderna e de um argumento de mau gosto que se esconde por trás da desculpa do humor negro. I Care a Lot, e o cinema a bem dizer, não deve estar amordaçado ao politicamente correcto, mas ainda assim o filme, que durante as suas duas horas orgulhosamente demonstra a sua audácia, parece acobardar-se na sua cena final, como se não tivesse coragem suficiente para levar o ultraje cínico da sua protagonista até ao fim. É pena, mas não é suficiente para deitar os esforços de I Care a Lot por terra. Além das suas charmosas interpretações, temos aqui também um produto cheio de personalidade na sua realização e edição, com uma fotografia inesperadamente boa e um humor de situação refinado que vai beber ao melhor dos irmãos Coen. Não se faça de I Care a Lot mais do que aquilo que é: uma comédia negra de entretenimento espalhafatosa que se balanceia na corda da sátira capitalista. É deliciosa e é um excelente exemplo de como os estúdios das empresas de streaming estão, cada vez mais, a produzir cinema de pequeno écrã de qualidade sólida.

Porque é bom: Interpretações deliciosas e carismáticas de Rosamund Pike, Peter Dinklage, Chris Messina e Dianne Wiest; uma comédia negra, negríssima, irresistível para quem goste; trabalho técnico inesperadamente superior, com uma fotografia acima da média; sátira capitalista mordaz.

Porque é mau: Humor negro que explora os mais vulneráveis e que pode afastar alguns espectadores; argumento com buracos; não tem coragem para assumir a sua postura cínica até ao fim.

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