sábado, 17 de novembro de 2018

Shoplifters (2018)


Após se ter aventurado pelos terrenos do crime drama com The Third Murder, Hirokazu Koreeda volta à temática onde se sente melhor, os laços familiares, demonstrando uma vez mais porque é considerado o Yasujirô Ozu contemporâneo. Em Shoplifters, filme que lhe valeu a palma de ouro em Cannes, Koreeda volta a jogar com o conceito de família para construir uma belo exercício de observação, ainda que com alguma interferência (algo que Ozu não fazia), sobre a natureza da mais básica instituição social e cultural humana, tantas vezes pintada no seu próprio subgénero do cinema japonês: a família. Através de uma lente hiper-realista, desenrolamos, fio a fio, as ligações entre cada um dos membros deste agregado, o que os une, o que os uniu e poderá unir, questionando a dicotomia afecto vs laços de sangue como verdadeira natureza e origem da relação familiar. Koreeda não se fica pelas temáticas já observadas pelo mestre Ozu ao longo de décadas até aos anos 60, mas antes o procura igualmente na estética de realização. Planos aprimorados, sempre geométricos, atafulhados, invasivos, penetram a casa e cada um dos 6 protagonistas, todos soberbos actores, com uma palavra especial para mais um excelente trabalho da actriz Kirin Kiki, que interpreta a avó, e que faleceu recentemente. Shoplifters faz o chamado character study de forma lenta, permitindo ao espectador um confortável papel de observador que se deixa penetrar por aquilo que observa: as chamadas pessoas invisíveis que a lente moderna prefere empurrar para debaixo do tapete, em particular num Japão tradicionalista que cada vez menos o é. Ao contrário do que fazia Ozu, que apenas filmava e reconhecia esse tradicionalismo, nunca interferindo com ele, o que lhe vale infelizmente alguns rótulos menos positivos vindos de um público cada vez menos conservador, Koreeda, para o bem e para o mal, enfrenta subtilmente esse tradicionalismo e deixa recado sobre a forma como devem ser interpretadas as barreiras da tradição familiar. O realizador não se fica pela observação, numa linguagem semi-documental, dedicando o último terço do filme à dissecação objectiva daquilo que apresentou, para devastação sentimental do espectador. Shoplifters não dá o murro no estômago duro e crú que Ozu tantas vezes ousou dar nas suas inúmeras obras-primas, mas dá-nos todas as ferramentas para sermos nós próprios a escolher dar um murro na mesa.

Porque é bom: Temática familiar hiper-realista; a forma como observa a natureza passional e sanguínea do laço familiar; realização invasiva do seio familiar, lembrando Ozu; a delicadeza semi-documental com que filma as relações entre personagens e as desenvolve

Porque é mau: Por vezes apetece que Koreeda arrisque um pouco mais e que dê uma mensagem de esperança ao espectador num filme emocionalmente tão apelativo

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