Há duas maneiras de se olhar para o cinema actual de Terrence Malick. A primeira é olhar para ele como a obra de um artesão que pretende transmitir as suas ideias, com actores escolhidos a dedo, os melhores, deixando o espectador envolver-se na sua arte, deliciando-se com as suas imagens e a sua narração. A segunda é olhando para ele de forma fria, ignorando os seus autores e protagonistas, enquanto exibicionismo imagético, filosofia pop barata com uma narração fragmentada perdida no seu próprio labirinto, ou, como diz o maior dos lugares comuns, o actual cinema de Malick não passa de um anúncio de perfume de duas horas. Daí, fazer uma crítica a Song to Song terá, necessariamente (o que a maioria das vezes não é preciso), que envolver a visão e experiência pessoal de quem escreve sobre ele. Preferimos, tal como havíamos feito em Knight of Cups, ir pelo primeiro caminho, o caminho do artesão, embora o outro seja igualmente legítimo. Talvez de forma algo contraditória, ou talvez não, uma vez que a opinião que nos ficou de Tree of Life, o primeiro dos devaneios de Malick e considerado pela maioria o melhor (muito melhor) filme desta sua nova visão cinematográfica que foge da narrativa tradicional para se focar mais numa certa estética espiritual, foi que Tree of Life era um filme barrigudo, que queria ser grandioso e mais, muito mais, do que aquilo que realmente conseguia transmitir. Aí Malick foi desde a génese do Universo ao retrato da família tradicional americana dos anos 50 e a influência da fé religiosa na sua forma de viver, sempre na tal estética flutuante grandiosa que, tudo junto e bem espremido, nos pareceu pouco dada a fasquia elevadíssima. Song to Song é um filme em tudo mais palpável, mais real, mais terreno, com personagens e seus actores que conseguem sair do papel e desembaraçar-se do irregular movimento de camera para brilhar, porque aqui sim brilham, no écrã. As teias da fama e dinheiro de Fassbender, o super homem que tudo pode, o músico pelo bem da arte de Ryan Gosling, a miúda rebelde e com sonhos bem reais das actuais gerações que procuram fugir à regra de Rooney Mara, tudo está muito bem afinado por Malick, que faz descer à terra a estética aérea (mas brilhante) de Knight of Cups, dando-lhe humildade e ao mesmo tempo corpo narrativo, belíssimo. É este o misticismo que Malick e a sua reputação continuam a ter, o criador, o tal artesão, com quem todos, incluindo os melhores, querem trabalhar. E Malick sabe-o, pode escolher, e escolheu os melhores actores do cinema americano actualmente, após Christian Bale, Michael Fassbender, Rooney Mara, Cate Blanchett, Natalie Portman e o cada vez menos intruso Ryan Gosling.
Porque é bom: Estética e cinematografia grandiosa; enredo mais palpável e terreno ainda que sempre flutuante e fragmentado; brilhantes interpretações de Fassbender e Rooney Mara que conseguem o raro feito de domar a câmara irregular de Malick; uma viagem por pensamentos e sensações raramente sentidos no cinema
Porque é mau: Para quem não gosta do novo tipo de cinema de Malick será concerteza um filme aéreo, sem ideias definidas com um argumento flutuante e labiríntico com muito estilo estético mas pouca substância.
Crítica também publicada na página Comunidade Cultura e Arte
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