Mudar de Vida retrata o regresso de Adelino, interpretado por Geraldo Del Rey, da Guerra Colonial para a sua terra natal. Quando regressa o lugar mudou. A sua amada Júlia, interpretada por Maria Barroso, trocou-o pelo irmão e eventualmente Adelino conhece a intrépida Albertina, Isabel Ruth, por quem acaba por se apaixonar. A pesca deu lugar às máquinas e aquele que partiram, como Adelino, podem ter regressado tarde demais para acompanhar a mudança. É assim que Paulo Rocha, figura maior do novo cinema português dos anos 60, pinta o realismo desta particular geração. O filme é um constante diálogo entre o cinema realista e a poesia do local e do momento. O realismo de cenas como o remar dos barcos com a tripulação cantando e suando, os bailes da aldeia e as fábricas onde se trabalha mecanicamente horas e horas a fio, dão lugar a cenas belíssimas como o reencontro entre Adelino e Júlia - uma Maria Barroso proveniente da classe média e aqui interpretando uma mulher da província que, descalça, apanha caruma do chão com um ancinho - apercebendo-se que o seu amor Adelino chegou tarde demais e agora a vida avançou sem ele.
O filme está dividido em duas partes. A primeira, que trata a relação entre Adelino e Júlia, é poética e contemplativa, lenta, ao passo que a segunda, onde Geraldo Del Rey contracena com Isabel Ruth, é acelerada e emocionante. No fundo, é como se Paulo Rocha realizasse dois filmes, mudando de filme como quem muda(r) de vida. Um retrato dos anos 60 da província portuguesa que se sente nas personagens e no local, que funde a mudança de paradigma da calma das pescas e da agricultura para a industrialização com a mudança de ritmo do filme em si. Por vezes, este Mudar de Vida lembra-nos o cinema de Rosselini, em particular de Stromboli, onde Ingrid Bergman interpreta uma mulher da classe média que ao casar com um militar na cidade se vê forçada a partir para a terra natal do marido, na ilha de Stromboli, também uma pequena comunidade piscatória aqui isolada e perdida no tempo.
Não há dúvidas que Mudar de Vida é um momento importante do cinema português. Curioso é que aquando das suas primeiras exibições o filme tenha sido arrasado por toda a crítica portuguesa com excepção da ligada aos ideais anti-regime. Ainda assim, a crítica mais negativa conseguiu asumir que a segunda metade do filme até seria boazinha. Já a primeira seria catastrófica... Está mal, pois claro. A interpretação teatral de Maria Barroso, quando contraposta ao puro cinema de Isabel Ruth, que já havia protagonizado o primeiro filme de Paulo Rocha, Verdes Anos, dá uma identidade única ao filme, bem como o cunho do realizador nos extraordinários diálogos escritos juntamente com o poeta António Reis. Portugal teve e tem cinema soberbo, só é pena que poucos tenham acesso a ele. Nos anos 60 havia Paulo Rocha. Hoje há Pedro Costa. Há que difundi-lo e pelo menos dar-lhe a oportunidade que tantos ao mesmo nível feitos no estrangeiro têm e que são igualmente bons. Infelizmente, por cá, vamos todos demasiado em Pátios de Cantigas, quando existiria sem dúvida espaço e público para todos os tipos de cinema nacional. Felizmente temos a Cinemateca Portuguesa, o canal 2, entre alguns outros espaços para ir revisitando estas nossas pérolas perdidas no tempo.
Porque é bom: O realismo da província portuguesa nos anos 60; a dicotomia agricultura/industrialização; a interpretação de Maria Barroso e de Isabel Ruth; a beleza da imagem; o choque dos regressados da Guerra Colonial, que perderam a evolução da terra que deixaram para trás.
Porque é mau: É um filme datado, que poderá afastá-lo do público mais habituado a cinema recente.
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