sexta-feira, 22 de abril de 2022

Crítica: X (2022) - The Fading Cam


Libido e Violência no Texas

Ti West começou cedo nas longas metragens ao realizar The Roost em 2005 com apenas 25 anos, mas foi à terceira, com The House of the Devil (2009), que entrou no radar do cinema mundial. O respeito com que West manipulava a linguagem do cinema de terror americano dos anos 80, desde os símbolos ao ritmo, passando pela fotografia, fizeram de The House of the Devil filme de culto e um dos pontos altos do cinema de terror contemporâneo. A expectativa perante a carreira de Ti West era grande, semelhante à de outras rising stars como Ari Aster ou Robert Eggers. Seguiu-se o sólido The Innkeepers (2011) e por fim o razoável The Sacrament (2013) que parecia ter ditado o fracasso de um jovem realizador promissor. Foi preciso esperar quase 10 anos para ver Ti West regressar ao terror, e o tempo fez-lhe bem, muito bem. X é um regresso triunfal de um estilo cada vez mais raro no horror americano, o slow burn, mais uma vez trazendo ao lume brando a viragem para a década de 80 através de um grupo de jovens texanos que decidem filmar um filme pornográfico em busca do estrelato. O cenário escolhido, a casa de hóspedes de uma velha quinta isolada habitada por um casal idoso, revive o imaginário de slashers clássicos como Texas Chainsaw Massacre. No entanto, ao invés seguir a linha expectável da lógica slasher onde, normalmente, existe um assassino stalker terrível, Ti West consegue, tal como já havia feito em The House of the Devil, criar um ambiente ominoso onde realmente parece que nada pode correr mal. Onde está afinal o assassino? "Sim, o velhote dono da casa parece assustador", pensa o espectador, "e existem crocodilos no lago perto da casa", mas nada disso aparenta ser suficiente para que, de repente, o desconforto da inusitada situação se transforme numa carnificina. Será este afinal realmente um filme de terror? Na verdade X é muito mais que isso, mas Ti West sabe que, da mesma forma que um filme pornográfico avant-garde, um filme de terror livre de amarras formais deve dar ao espectador aquilo que ele foi ver. É delicioso ver como a independência criativa de género e o entretenimento puro conseguem, por vezes, andar lado a lado.

O que Ti West nos propõe é uma dicotomia, por vezes grotesca, entre os sonhos da juventude e o conformismo da velhice, a energia e o cansaço, os desejos sexuais cumpridos e os que ficaram por cumprir, a promessa de uma vida que nunca chegou a existir... O espectador perde-se na zona cinzenta do conceito de herói. A heroína, no papel, é Mia Goth, ou antes Maxime, a iniciante actriz porno em busca da fama, isto porque Mia Goth interpreta não só a protagonista como também Pearl, a idosa confusa e distraída que, juntamente com o marido, vive nesta velha quinta há décadas e revê a sua juventude na bela e sonhadora Maxime. Além de ser um filme formalmente educado, seguro e consciente, o que realmente acaba por distinguir a originalidade de X é a capacidade de caracterizar o casal de idosos, os aparentes antagonistas, de uma forma amoral capaz de causar repulsa no espectador, apenas para a seguir retirar ao espectador esse conforto de opinião ao conferir ao casal uma profundidade dramática que subitamente implora por piedade. E nós, pessoas normais sentadas na sala de cinema ou no sofá da sala, sem saber para onde devemos olhar ou que sentimento devemos nutrir por este suposto casal de vilões. E como é bom ter essa liberdade, cada vez mais rara, no cinema. A libido, de mãos dadas com a violência, dois corolários do cinema trash americano dos anos 70, estão sempre presentes em X, levando-nos, com constante queixo caído, por todo o desconforto misterioso que é filmar um porno amador num cenário aparentemente tão inóspito, onde vultos e sombras aparentemente espreitam por entre as árvores com intenções desconhecidas. A economia minimalista de Ti West, já utilizada em The House of the Devil e The Innkeepers, continua bem presente em X. Tudo é feito com tempo e espaço para as suas personagens, todas elas, desabrocharem, trazendo sempre drama e novos elementos para uma equação aparentemente linear, mas que de simples nada tem. Pode não ser o mais impactante, esse continuará a ser The House of the Devil, mas X é sem duvida o filme mais seguro e robusto de Ti West até hoje e um regresso triunfal à boa forma. E a melhor notícia é que Pearl, o seu próximo filme, igualmente protagonizado por Mia Goth, chegará ainda este ano, trazendo com ele uma nova luz sobre a vida da idosa que habita esta quinta perdida no Texas.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

Crítica "Spencer" (2021) - The Fading Cam

 


O Cisne Negro

Ao chegar a denominada "Oscar season" os filmes biográficos são sempre um alvo apetecível. Quando se alia o biopic a uma personalidade como Diana, o potencial para produzir um filme melodramático e exploratório é virtualmente infinito, arriscando-se Spencer a ser mais um filme de linha de montagem, engrandecido pelo seu objecto, e dirigido por um qualquer realizador de pouco talento igualmente destinado a uma nomeação para melhor realização como aconteceu, por exemplo, com o medíocre Tom Hooper, em The King's Speech (caso a receita de bilheteira seja gorda o suficiente). Felizmente Pablo Larraín não é esse realizador e decidiu virar as costas às rígidas regras do biopic. Já em Jackie, que tem por objecto Jackie Kennedy, Larraín mostrava laivos de uma certa rebeldia formal, que se veio agora a confirmar em Spencer.

Ao invés de se focar na vida de Diana de uma forma geral, ou mesmo nalgum episódio particularmente marcante, a escolha recai sobre um fim de semana de Natal que Diana passa com a família real britânica numa das suas casas de campo, que coincidentemente é perto da casa onde a princesa cresceu. Os fãs de lady Di ficarão provavelmente desapontados com a interpretação de Kristen Stewart e com o retrato que é feito da própria Diana. Muitos dirão que a personalidade que é retratada, os trejeitos, as roupas ou mesmo a forma de falar estão bem distantes da personagem real. No entanto, se nos afastarmos dessa ideia pré-concebida, da mesma forma que procuramos fazer ao ver a adaptação para cinema de um livro que tenhamos lido, é possível ver em Spencer uma interpretação livre, inspirada, e intensa, que está mais focada em caracterizar uma mente fraturada numa prisão de ouro do que em retratar fielmente um momento da vida da sua protagonista que, provavelmente, é pura ficção. Esse é o grande foco de Larraín. À medida que vamos observando Diana deambular, febrilmente, pelos corredores da mansão real acompanhada pela banda sonora desconcertante de Jonny Greenwood, rapidamente percebemos que não estamos perante um filme biográfico normal, mas antes perante um objecto que pretende afastar-se dos rótulos do género com vista a oferecer uma experiência visceral e a espaços até desconfortável. O espectador perde-se no labirinto que é a mente de Diana, sufocada pelas regras de etiqueta de um Mundo ao qual não pertence, das horas a que é suposto estar à mesa e das roupas que é suposto vestir para cada actividade. Temos acesso ao lado mais recatado dessa mente quando a princesa se esconde, à noite, no quarto dos filhos para brincar. Mas o realizador vai mais longe. É clara a inspiração que Spencer vai buscar a Black Swan, não só em relação à espiral descendente da saúde mental da sua protagonista, mas também quanto à linguagem metafórica, por vezes física (Diana quebrando um colar de pérolas dentro de uma taça de sopa, deglutindo-o com decoro perante Isabel II), que funde a realidade com a ilusão.

O efeito foi bem conseguido. Spencer consegue ser um espaço hermético, por vezes delirante e onírico, e é uma completa surpresa para quem esperava um biopic comum. História real ou não, interpretação fiel à personagem real ou não, Spencer é um filme que supera as expectativas e que, apesar de provavelmente desiludir os fãs da figura que foi a princesa Diana que terão que esperar mais um pouco para um retrato cinematográfico mais fiel, irá ironicamente talvez agradar a quem está mais cansado do tema "família real". Kristen Stewart confirma que é uma actriz versátil e talentosa, uma lufada de ar fresco quanto à forma como aborda a sua interpretação, livre das amarras do género que teima em confundir imitação com interpretação. Ainda assim, Spencer é demasiado minimalista para o seu próprio bem, por vezes demasiado fragmentado, nunca conseguindo quebrar o limbo de tensão que coloca em prática ao longo de duas horas e que permite antecipar a qualquer momento um clímax que insiste em nunca chegar.

Porque é bom: A abordagem refrescante ao biopic, que acabar por não o ser; a inspiração na espiral descendente da saúde mental de Black Swan; uma interpretação livre de Kristen Stewart; banda sonora desconcertante de Jonny Greenwood.

Porque é mau: Spencer é demasiado minimalista para o seu próprio bem, por vezes demasiado fragmentado, nunca conseguindo quebrar o limbo de tensão que coloca em prática ao longo de duas horas e que permite antecipar a qualquer momento um clímax que insiste em nunca chegar; irá desiludir os fãs da princesa Diana que esperavam um retrato mais fiel




domingo, 2 de janeiro de 2022

Crítica "Don't Look Up" (2021) - The Fading Cam


Estando a braços com uma pandemia que paralisou o Mundo, Don't Look Up parece ser o filme ideal para este tempo, mais ainda quando foi produzido e distribuído pela Netflix via streaming, acessível a grande parte da população que, passando mais tempo em casa que o habitual, não terá grande dificuldade em aceder a esta sátira acerca, principalmente, do negacionismo científico. É actualmente o filme mais visto da plataforma, mas é pena que não tenha tido o mesmo sucesso quando passou pelas salas de cinema 2 semanas antes da estreia Netflix. Pena ainda que só alguns filmes de maior chamariz tenham essa oportunidade. O elenco é de luxo, recheado de oscarizados, num pacote completo que almeja certamente o reconhecimento do público e da indústria. Uma discussão para ter noutra ocasião... 

A premissa já é mais que sabida, não tivesse a máquina de marketing da gigante do streaming inundado a internet com clips e trailers de um cientista Dicaprio encharcado em suor e a sofrer de taquicardia enquanto se esforça, juntamente com a sua assistente doutoranda Jennifer Lawrence, para explicar ao Mundo que um cometa de dimensões apocalípticas irá destruir a Terra dentro de 6 meses e que é preciso fazer algo quanto a isso. No entanto, ninguém parece estar muito preocupado com esse facto, nem mesmo quando a solução é algo tão simples como destruir o cometa. A ideia é clara: satirizar uma sociedade amorfa com políticos sem consciência social, jornalismo mercantilista e cidadãos distraídos. E nesse ponto é bem sucedido. O problema é tudo o resto. Não é preciso ser sociólogo para perceber onde o filme pretende chegar e o seu grito de "acordem povo" não vem mais do que confirmar algo que o público já sabe que vai ver, tornando o seu conceito algo redundante e esgotando-o de antemão. Passada a mensagem da sua premissa, o que resta a este Don't Look Up? O entretenimento? Os gags? Grandes interpretações do seu elenco de luxo? O drama do seu último acto? Afinal apesar de tudo Don't Look Up trata-se de um filme e não de uma mera ideia. Foquemo-nos nisso.

Com The Big Short (2015), o realizador Adam McKay encontrou o ponto de graça para abordar temas técnicos com consequências dramáticas de forma algo leviana mas não displicente, conseguindo imprimir um ritmo acelerado ao seu cinema, muitas vezes expositivo, sem aborrecer o espectador, coisa que nem Nolan, nem Sorkin (enquanto realizador) conseguem muitas vezes. É verdade que tanto em The Big Short (2015) como em Vice (2018) o cinema de McKay não deixa de por vezes apresentar confiança em excesso, mesmo tendo em conta as caricaturas positivamente absurdas que apresenta (talvez o ponto mais forte do cinema do realizador). Estranhamente é só com este Don't Look Up que a auto-consciência do cinema de McKay perde o estado de graça.

McKay não consegue encontrar nem ritmo, nem tom para o seu filme, que em espaço de minutos vai do nonsense à depressão, da comédia à tragédia, do romance à traição, ao mesmo tempo que encaixa tudo isso no desenrolar da sua expectável trama disparando para os vários sectores alvo da sociedade. Ao não encontrar o tom para o seu filme McKay acaba por construir personagens unidimensionais de um lado, "os maus", e existencialmente profundas do outro, "os bons", mas estes últimos só a partir do momento em que dá jeito: o momento em que Don't Look Up se cansa da sátira absurda e percebe que, afinal, isto até é uma coisa séria. Ou não é? É nesse limbo que a película se coloca, com um excesso de confiança que na realidade não consegue decidir que rumo tomar. Talvez isso até seja consciente. É como se a mensagem e a sua discussão absorvessem tudo o resto, o que não é muito positivo...

Mesmo com tudo isto é Don't Look Up um filme recomendável? Certamente que sim. Apesar de profundamente desequilibrado, isso não quer dizer que a sua mensagem não passe. Passa, é eficaz, e é também para isto que serve o cinema comercial. Dicaprio e Jonah Hill têm bons momentos lembrando a espaços Wolf of Wall Street, Cate Blanchett mais uma vez rouba o protagonismo sempre que aparece em tela e Meryl Streep faz uma interpretação arrojada de uma personagem detestável (ver Streep a interpretar um papel oposto ao da sua própria persona acaba por ser um ponto de interesse). O mais recente de Adam McKay entretém e coloca mais uma vez em debate um tópico importante, mas não é apenas isso que faz um bom filme, e muito menos um filme brilhante de uma geração.

Porque é bom: Um elenco de luxo com alguns bons momentos de Dicaprio, Cate Blanchett e Jonah Hill; alguns gags de sátira absurda bem conseguidos.

Porque é mau: McKay não consegue encontrar o tom nem o ritmo para o seu filme, que vai do nonsense à depressão em minutos; personagens que são caricaturas unidimensionais.



sexta-feira, 17 de setembro de 2021

Motelx 2021: The Feast (2021); Um Fio de Baba Escarlate (2020); Coming Home in the Dark (2021); Run (2020); Three (2020); Cross the Line (2020); In the Earth (2021); The Sadness (2021); Gaia (2021); Knocking (2021); Willy's Wonderland (2021)Will

Talvez não tenha existido nenhum grande filme em exibição nesta edição do Motelx, mas também não vimos nada que fosse mau. Uma edição sólida com boas propostas de género onde In the Earth e The Feast foram talvez os filmes mais interessantes, ambos inseridos no novo subgénero de horror denominado eco-terror.



The Feast: Este foi o grande vencedor do prémio de melhor longa de terror europeia. Uma proposta do denominado novo género de eco-terror, The Feast dá a conhecer a uma família economicamente favorecida na sua casa de campo uma cozinheira ajudante para servir um jantar com convidados. Algures entre a lição moral ecológica e o subgénero de terror de possessão por forças do mal, é certo que o realizador Lee Haven Jones sabe o que pretende fazer, apresentando um filme slow burn, talvez por vezes demasiado lento e vazio, para entregar um terceiro acto que se pretendia arrebatador mas que acaba por ficar aquém das expectativas, principalmente a nível narrativo. The Feast tem várias ideias que pretende explorar, desde a desigualdade social à emergência climática, que acabam por ser apenas sugestionadas em 90 minutos de tentativa de equilibrismo mensagem vs terror. Nenhuma das vertentes do filme acaba por sair beneficiada. Ainda assim a sua componente técnica consegue absorver essas falhas, tornando The Feast um objecto fílmico interessante.



Um Fio de Baba Escarlate:
É bom ver que Portugal começa a acordar para o cinema de género com novos cineastas interessados a explorar essa linguagem. Depois de Gonçalo Almeida em 2019, com Faz-me Companhia, é Carlos Conceição que apresenta Um Fio de Baba Escarlate, uma bela sátira que coloca um serial killer nas bocas do Mundo pela positiva após ter aparecido num video viral. Sem diálogo, talvez por motivos de internacionalização, mas que acaba por resultar num filme semi-mudo com uma linguagem cinematográfica algo nostálgica, Conceição leva-nos numa viagem com visuais normalmente associados ao giallo italiano. Com uma fotografia e um sentido estético e de ritmo que impressionam, Um Fio de Baba Escarlate eleva-se dentro do género, consciente da limitação da sua narrativa, o que o levou a optar por suprimir técnicas narrativas de forma a obter uns redondos 60 minutos de filme. Apesar de personagens estereotipadas, a estética do filme consegue colocá-las num plano misto de fantasia e realidade, o que lhes assenta que nem uma luva. Um Fio de Baba Escarlate só fica manchado pelo seu último terço, no qual parece que o seu realizador perdeu a sobriedade e segurança que tinha demonstrado até então a favor de preencher uma lista de elementos associados ao género de terror de forma algo imatura.



Coming Home in the Dark:
Não há grande coisa a dizer sobre esta produção neozelandesa, um thriller de vingança algo comum acerca de um fim de semana de família na natureza que corre mal quando dão de caras com dois homens mal intencionados. Ainda assim decide arriscar uma ou outra ideia mais ousada, nomeadamente a da cumplicidade perante a inacção face a actos de violência, ou omissão de auxílio. Não há dúvida que Coming Home in the Dark é eficaz na forma como manipula o suspense no espectador, e o seu protagonista vilão é carismático o suficiente para nos manter interessados, no entanto não é um filme que irá deixar memória.




Run:
Um dos filmes mais aguardados desta edição do Motelx é também um dos que menos arrisca em ideias e execução, e que mais se assemelha à linguagem de um certo tipo de thriller mais comercializável, como Don't Breathe, Ma, 10 Cloverfield Lane ou mesmo Split. Sarah Paulson é uma mãe possessiva e controladora que domina a vida da sua filha de 17 anos afligida por diversas doenças incapacitantes, até que algo corre mal. A filha, Kiera Allen, é uma actriz a ter em atenção para o futuro. Paulson, como sempre, está brilhante, uma espécie de Jack Nicholson no feminino, entre o doce e o psicótico, entre a segurança e o medo. Run é um thriller de horror sobre relações tóxicas bem executado, tal como já fora Searching do realizador Aneesh Chaganty, e eficaz, mas que acaba por cair nas armadilhas do género, desde os recortes de jornal escondidos que revelam a temível verdade, a plot holes infantis e imperdoáveis. Run entretém, mas podia ter feito muito, muito mais.




Three:
Um thriller de serial killer vindo do Cazaquistão, com escola e linguagem cinematográfica dos thrillers modernos Sul Coreanos, bem executado por Pak Ruslan. Three traz-nos uma adaptação da história verídica de um assassino em série canibal que foi notícia no Cazaquistão em 1979, em pleno regime da União Soviética. A sua localização no tempo acaba por ser o mais interessante de Three, com uma construção de cenários e linguagem social que transportam o espectador para esta realidade cazaque de há 40 anos atrás. Dotado de interpretações fortes, desde o seu protagonista, um estagiário na força de investigação criminal, passando pelo chefe autoritário mas de moral inquestionável, terminando no seu aterrador vilão, o que acaba por faltar a Three é desenvolvimento de personagem e suspense. O filme que começa de forma intrigante e cheia de promessas, acaba por não cumprir, deixando-se arrastar de mini clímax em mini clímax, em duas velocidades.




Cross the Line:
Apelidado de um dos melhores thrillers espanhóis dos últimos anos, Cross the Line coloca o típico trabalhador de colarinho branco certinho e cumpridor perante uma série de decisões que terá que tomar à medida que uma noite aparentemente normal se transforma num pesadelo após conhecer uma bela jovem tatuadora num bar. Cross the Line é um daqueles filmes que se coloca a si próprio nos píncaros do que "deve ser um thriller interessante", pintando a tela de neons e cores aguerridas que tanto estão na moda num certo cinema comercial mais rebelde que nos trouxe filmes como Nerve, Mandy ou Drive. É verdade que a interpretação de Mario Casas é boa, mas não basta isso e uma camera a seguir o protagonista com long shots para fazer um bom filme. Cross the Line simplesmente não é assim tão interessante.




In the Earth: Foi provavelmente o ponto mais alto desta edição do Motelx. Ben Wheatley, realizador de filmes como Kill List ou a Field in England, traz-nos este eco-terror recheado de ideias onde um cientista e uma guia florestal se aventuram até um acampamento de uma outra cientista numa floresta densa, enquanto o Mundo se depara com uma pandemia. In the Earth é um híbrido que mistura o terror slasher, com folk, humor negro e ficção científica com um equilíbrio impressionante, procurando fugir sempre dos rótulos de género, sendo quase sempre bem sucedido. Com interpretações que vão desde o low key à total expansividade, e com alguma dose de humor negro, Ben Wheatley coloca o realismo dos seus protagonistas na irrealidade do seu cenário ironicamente naturalista, numa viagem visualmente alucinogénica que poderá causar ataques de epilepsia ou dores de cabeça a alguns espectadores. In the Earth joga de forma hábil com as ansiedades do Mundo contemporâneo: o isolamento, o contacto com os outros, o desconhecido, a ausência de tecnologia, o medo de algo que nos irá eliminar a todos. Uma trip herética original que irá satisfazer parte dos espectadores, mas cuja audácia visual suscitará sem dúvida o afastamento de outros. 




The Sadness: Orgulhosamente apresentado como o filme mais violento desta edição do Motelx, The Sadness é um filme taiwanês, realizado pelo canadiano Rob Jabbaz. Um take original no subgénero zombie, The Sadness é um filme transgressor, provocatório e híper violento, preterindo zombies que cambaleiam sem consciência a favor de infectados que correm e falam e cujo único propósito é praticar o que de pior existe na mente humana, desde canibalismo a violações. É um filme altamente provocatório que só irá satisfazer um tipo específico de público, e que se balanceia entre o gratuito e a sátira social. The Sadness acaba por ser um pau de dois bicos: se por um lado é violência gratuita e provocatória, por outro está bem patente uma certa sátira social sobre valores morais, e tudo isso acaba por ter eficácia no filme. Fica apenas um amargo de boca perante um argumento que podia e devia ter sido superior, com personagens unidimensionais que saltam de situação em situação, priveligiando o splash sanguíneo em detrimento de qualquer tipo de drama. Ainda assim não há dúvidas que The Sadness é um bom filme, original, que sabe o que quer e que entrega sem espinhas.



Gaia: Mais uma proposta de eco-terror, desta feita acerca de uma ranger florestal que acaba acolhida por um pai e um filho que vivem isolados da sociedade em veneração ao planeta Terra. Monique Rockman é protagonista, aventureira, femme fatale e matriarca, tudo ao mesmo tempo, num thriller de horror cheio de ideias que nem sempre passam para a tela. Entre criaturas desinspiradas (ou antes plagiadas do videojogo The Last of Us) a desenvolvimentos de personagem pouco naturais, o mais interessante de Gaia acaba por ser o seu cenário e os seus practical effects, dignos de instalação artística. A técnica de Jaco Bower por vezes é amadora, com truques de continuidade narrativa repetitivos tais como o pesadelo que afinal não passava de um sonho, ou plot holes redondos tais como a imunidade perante a infecção presente em Gaia. É sem dúvida e um bom esforço e a prova como o eco-terror veio para ficar, mas as suas mensagens de consciencialização ficam pela rama e acabam por se tornar meros arquétipos sem impacto.




Knocking: Um dos filmes em competição para melhor longa de terror europeia, Knocking é um eficaz filme de terror psicológico acerca do trauma e do preconceito perante a doença psiquiátrica. Molly é uma mulher que tem alta de uma clínica psiquiátrica após um evento traumático e decide recomeçar a sua vida num apartamento arrendado onde noite após noite ouve batidas no tecto. Frida Kempff, a realizadora sueca, move-se habilmente entre a estética narrativa mais rígida inicialmente, terminando numa estética delirante e claustrofóbica que consegue com sucesso acompanhar as emoções do espectador. Cecilia Milocco está óptima como protagonista. As influências de Bergman e as suas análises psíquicas são inegáveis, com referências directas a Persona (talvez Em Busca da Verdade fosse mais apropriado), resultando num filme de baixo orçamento com uma boa execução e uma melhor mensagem. A forma como Kempff termina o seu filme é questionável, acabando por talvez forçar essa tal mensagem anti preconceito desnecessariamente. Apesar de todas as suas qualidades, Knocking acaba por infelizmente ser um filme pouco original, limitando-se a seguir o caderno de encargos do subgénero, arriscando pouco ou nada. Acaba por ficar um sentimento de incompletude.




Willy's Wonderland: Nicolas Cage mais uma vez presente no Motelx, desta vez em sessão da meia noite, num filme trash série Z delicioso e consciente de si próprio. Cage é um homem que viaja sem destino até que se vê forçado a enfrentar um grupo de bonecos robots de peluche que ganham vida de forma sanguinária num parque de diversões infantil abandonado. Com uma estética do trash dos anos 70/80, um argumento ridículo e uma presença digna de Cage cheia de one liners físicos (Nicolas Cage não tem qualquer fala durante todo o filme) e adolescentes rebeldes, estão presentes todos os ingredientes necessários para um belíssimo filme de entretenimento nocturno. Ainda assim Willy's Wonderland limita-se a ficar à superfície do seu conceito ridículo, e faria muito melhor se tivesse soltado as amarras que ainda prendiam algum do seu amor próprio, abraçando o trash a 100%. É divertido, mas podia ter sido ainda mais. Willy's Wonderland parece um filme retirado de um episódio de uma má série televisiva, mas a mera presença do seu protagonista, que foi de um dos melhores actores da sua geração (ainda o é mas enfim) até se tornar num meme, é suficiente para encher as medidas de quem quer apenas passar um bom momento com um filme. Não é afinal para isso que os filmes também servem?


domingo, 12 de setembro de 2021

Motelx 2021: Sessão de Abertura - The Green Knight (2021)

 


Desde que realizou A Ghost Story em 2017, e um ano depois o filme que pôs o ponto final na carreira de Robert Redford em The Old Man & The Gun, que David Lowery começou a ser visto como uma das promessas maiores do cinema norte americano. É com The Green Knight que Lowery atinge a independência de alto orçamento enquanto cineasta, com uma aparente carta branca para realizar esta adaptação de uma lenda arturiana acerca de um aspirante a cavaleiro que se vê desafiado pelo destino a confrontar um cavaleiro misterioso no dia de Natal. The Green Knight assume a sua identidade enquanto filme fantástico, afastando-se da linguagem mais mundana que normalmente associamos ao género. Este é um longo épico subtil que está mais preocupado com símbolos, metáforas existencialistas e linguagem cinematográfica do que propriamente com ritmo, aventura, emoção e suspense. Tecnicamente é um portento, com uma fotografia sombria e naturalista, à Herzog ou Tarkovski, que consegue hipnotizar o espectador, deixando-o dormente perante o onirismo que desfila na tela de forma constante prometendo um climax que acaba por nunca chegar, deixando deliberadamente o espectador à espera de Godot. Dev Patel, na pele do protagonista Gawain, é um pau de dois bicos tal como a sua personagem: se por um lado consegue transmitir o sentimento de insegurança perante a responsabilidade deste sobrinho do Rei Artur que "nunca fez nada da vida", por outro lado não consegue ter o carisma necessário nos momentos de maior tensão em que o nosso improvável herói é testado, ou antes, tentado. The Green Knight é sobretudo um filme sobre decisões, tentações e inseguranças, uma reflexão psicológica sobre responsabilidade que tem tanto de medieval como de moderna. Se por um lado The Green Knight é um portento visual, por outro essa intenção estética acaba por anular outros elementos do filme, começando pelas próprias interpretações, não só de Patel, mas também de Alicia Vikander, Joel Edgerton ou Barry Keoghan, reduzidos a símbolos narrativos sem a confiança do seu realizador, mas sacrificando também a própria narrativa sem piedade. Há muito para dissecar no filme de Lowery, como se de um quadro de Bosch se tratasse (terá sido esta uma das grandes inspirações para o realizador?), mas no final nada mais resta do que a sensação de que assistimos a algo de grandioso, ainda que não se saiba muito bem porquê. Para o compreender na totalidade The Green Knight precisaria de bem mais do que as suas 2h10m de duração, que na realidade parecem bem mais. Será que a sua estética e os seus símbolos são motivação suficiente para lhe dedicar mais horas?

Porque é bom: Opções estéticas e cinematografia de excelência; um épico fora da caixa original na sua apresentação; símbolos e uma enorme matéria para descodificar

Porque é mau: A sua estética sacrifica sem piedade a narrativa e as interpretações do elenco; ausência de sentido de ritmo e entretenimento; um crescendo que acaba por nunca ter clímax.




sexta-feira, 16 de abril de 2021

Crítica: Promising Young Woman (2020) - The Fading Cam



Escrito e realizado por Emerald Fennell, Promising Young Woman é um filme que vive muito mais do seu argumento, e da boa interpretação de Carey Mulligan, do que da realização em si. Sobre o argumento há muito a dizer por entre as suas várias camadas, sempre como que subdesenvolvidas mas cheias de boas intenções, com uma execução dúbia que tem tanto de glorioso como de tiro no pé. Se é verdade que Promising Young Woman é um filme necessário na mensagem feminista que procura passar, ao qual é possível fazer um paralelismo com o que significou Get Out para o racismo, também não deixa de ser verdade que as suas boas intenções não são suficientes para fazer um bom filme, ou antes, um grande filme, digno de prémios de indústria, ovações simbólicas, e outros que tais. 

Temos uma Carey Mulligan, femme fatale dos tempos modernos onde a mera existência do conceito neste tipo de cinema já não tem cabimento, morta por dentro por um acontecimento passado trágico, que vive solitariamente com os seus pais e tem como ocupação nocturna fingir-se de ébria em espaços de diversão nocturna com o propósito de demonstrar que todos os homens são iguais, e que todos os homens se aproveitariam sexualmente de uma mulher alcoolizada. Vamos dar de barato essa linha de raciocínio, presente em todo o filme, a bem da mensagem que pretende transmitir. A ironia é que não é na sua mensagem, mas antes na sua apresentação sádico-cómica entertaining que Promising Young Woman brilha, e é nesse fio que o filme se procura equilibrar, algures entre a lição "toma apanhei-te seu homem!" e o prazer de ver a vingança da protagonista (cuja origem só se percebe mais tarde) a materializar-se. 

O desmontar da humilhação e violência sexual sofrida por algumas mulheres com a conivência, são só dos homens envolvidos, como também das mulheres que perpetuam o preconceito machista (se és mulher és vadia, se és homem és um herói), bem como das próprias ditas autoridades superiores, tais como quadros directivos universitários que preferem fechar os olhos a ter uma polémica entre mãos, é essencial, e é por isso que Promising Young Woman é tão elogiado no seu argumento, que não é particularmente brilhante ou bem escrito, mas antes está na ordem do dia, e bem. Não é isso que está em causa. 

O problema surge quando Emerald Fennell frontalmente, corporizando na personagem de Mulligan, assume estar a ensinar pretensiosos moralismos ao espectador, nomeadamente através do mais que previsível plot twist do último terço do filme (os homens são mesmo todos iguais), num enredo repleto de artimanhas manipulativas que força a sua conclusão no espectador ao invés de a deixar fluir naturalmente. A personagem de Carey Mulligan, que se procura vingar dos homens, quer de forma geral, quer de forma bem concreta, afinal de contas vive a sua vida à volta deles e dedicando-se a eles, acabando Fennell por dar um tiro no pé na emancipação feminina que procura representar. Veja-se Ma Rainey's Black Bottom por exemplo, que faz muito, mas muito mais, pela causa feminista, apresentando uma mulher realmente independente e emancipada que inverte totalmente a dinâmica homem-mulher a seu favor, sem precisar de o atirar pretensiosamente à cara do espectador. 

De resto temos pena que a promoção de Promising Young Woman seja feita tendo por base uma caracterização vulgar com fantasia de enfermeira e uma versão a violoncelo de Toxic de Britney Spears. Haverá maior contradição? Tudo isso não retira mérito na apresentação provocativa e de entretenimento negro ao filme que é de facto delicioso, mas não queiram fazer deste um novo Get Out. Saiba separar-se o filme da sua mensagem.


Porque é bom: Apresentação provocativa e de entretenimento negro deliciosa; bela interpretação de Carey Mulligan; uma mensagem actual e necessária.

Porque é mau: Enredo repleto de artimanhas manipulativas; conclusões moralistas básicas e pretensiosas; contradição entre a mensagem feminista e a sua execução.



terça-feira, 9 de março de 2021

Crítica: I Care A Lot (2021) - The Fading Cam

 


Não há dúvida que Rosamund Pike é uma das mais carismáticas actrizes a trabalhar no cinema norte-americano actualmente e o papel de cínica assenta-lhe que nem uma luva. É provável que o êxito de I Care A Lot se deva quase exclusivamente ao excelente trabalho dos seus actores, cada um mais "sedutor" que o outro, desde Peter Dinklage a Chris Messina, passando por Dianne Wiest, uma vez que o trajecto do realizador e argumentista J Blakeson está perto do medíocre. Será suficiente? Sim. É verdade que o argumento de I Care a Lot está esburacado e que a bem do rigor há muita coisa coisa que não bate certo, mas será isso assim tão importante num filme que vive do carisma das suas personagens e da sua metáfora? Essa metáfora, a do capitalismo imoral e desenfreado numa história onde não existem heróis e na qual somos forçados a torcer por uma protagonista que de sorriso aberto enriquece aproveitando-se dos mais fracos, transpõe uma sátira acertada que deve ser levada a sério na mesma medida em que o seu negríssimo humor desfila pela tela. Caso contrário corremos o risco de cair na esparrela de nos deixarmos afectar pelo falacioso raciocínio de que I Care a Lot está de alguma forma a glamorizar a exploração de idosos através de uma estética moderna e de um argumento de mau gosto que se esconde por trás da desculpa do humor negro. I Care a Lot, e o cinema a bem dizer, não deve estar amordaçado ao politicamente correcto, mas ainda assim o filme, que durante as suas duas horas orgulhosamente demonstra a sua audácia, parece acobardar-se na sua cena final, como se não tivesse coragem suficiente para levar o ultraje cínico da sua protagonista até ao fim. É pena, mas não é suficiente para deitar os esforços de I Care a Lot por terra. Além das suas charmosas interpretações, temos aqui também um produto cheio de personalidade na sua realização e edição, com uma fotografia inesperadamente boa e um humor de situação refinado que vai beber ao melhor dos irmãos Coen. Não se faça de I Care a Lot mais do que aquilo que é: uma comédia negra de entretenimento espalhafatosa que se balanceia na corda da sátira capitalista. É deliciosa e é um excelente exemplo de como os estúdios das empresas de streaming estão, cada vez mais, a produzir cinema de pequeno écrã de qualidade sólida.

Porque é bom: Interpretações deliciosas e carismáticas de Rosamund Pike, Peter Dinklage, Chris Messina e Dianne Wiest; uma comédia negra, negríssima, irresistível para quem goste; trabalho técnico inesperadamente superior, com uma fotografia acima da média; sátira capitalista mordaz.

Porque é mau: Humor negro que explora os mais vulneráveis e que pode afastar alguns espectadores; argumento com buracos; não tem coragem para assumir a sua postura cínica até ao fim.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

Sound of Metal (2020)



Riz Ahmed é um belo actor que parecia condenado a uma carreira de papéis secundários, muitas vezes relegado para a categoria de "actor de personagem", com raras passagens para o posto de protagonista em produções modestas como Shifty ou Reluctant Fundamentalist. Em Sound of Metal, Ahmed parece ter finalmente encontrado um papel e um filme condizentes com o seu talento. Esta é a primeira longa metragem de Darius Marder, que já havia escrito o argumento da tragédia dramática de autor que foi The Place Beyond the Pines. Em Sound of Metal já não existe esse entusiasmo por parte do realizador em fazer algo de grandioso. Este é um produto educado e norteado, preocupado em explorar de forma crua e sem grandes artifícios a transição de estilo de vida do homem comum que perde a audição. Curiosa a escolha da personagem principal ser um baterista de metal, com um visual inconformado e rebelde, que subitamente se vê perdido num novo mundo de ausência de som. Essa ausência sonora é transposta sem grandes amparos para o espectador, num trabalho técnico de audio notável que emoldura o argumento. Riz Ahmed guia-nos desde a frustração até à aceitação, passando pela curiosidade, num processo interno visceral que prefere a subtileza ao espalhafato, com um trabalho que é reconhecido como meritório pela comunidade surda. No entanto, não é só da componente técnica e da performance do protagonista que vive Sound of Metal. Olivia Cooke, a namorada e vocalista do duo de músicos, tem uma energia magnética enquanto apoio moral, mas também enquanto personagem secundária desenvolvida por si só: uma rapariga rebelde de boas famílias que vê se forçada a repensar a sua vida, as suas prioridades e as suas relações familiares perante a ausência do seu parceiro de projecto, quer física, quer emocionalmente. Por outro lado temos um estóico Paul Raci, com uma interpretação humilde e realista, figura paternal de uma comunidade surda onde cada elemento procura encontrar-se. O silêncio pode ser agonizante, na mesma medida em que pode ser pacífico. Raramente um filme com uma mensagem de inclusão se apresenta de forma tão limpa de moralismos e truques de algibeira dramática. Com um argumento impiedosamente realista, interpretações de método cruas e um design sonoro a lembrar Sully, de Eastwood, não há grandes dúvidas de que Sound of Metal é um dos melhores filmes de 2020.  Em ano de pandemia, este é um filme que merecia ser visto em sala, em silêncio, absorvendo o silêncio que o próprio filme nos entrega.

Porque é bom: O melhor papel da carreira de Riz Ahmed; várias interpretações de método apaixonantes; trabalho técnico sonoro de rara excelência; mensagem de inclusão isenta de moralismos; argumento realista e cru; a transição psicológica do protagonista

Porque é mau: A quietude do filme poderá afastar o seu impacto dramático.


sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

Top The Fading Cam Os 160 Melhores Filmes da Década 2010: Lista Completa


Chegando ao fim de mais uma década de cinema o The Fading Cam decidiu assumir o desafio de compilar um ambicioso Top 160 Melhores Filmes da Década 2010. Vamos apenas assumir filmes que tenham estreado em Portugal, em sala ou plataforma stream, entre 2010 e 2019. A ordem não reflecte necessariamente a nota atribuída nas respectivas críticas. Se o vosso filme preferido não estiver na lista existem duas razões para isso: ou não o vimos, ou não gostamos dele. Contem com uma lista fora do normal, onde o cinema comercial não é necessariamente mau, onde o terror e a acção não são géneros menores, e sobretudo onde os grandes prémios do cinema não servem como medidor de qualidade. Esta é a nossa derradeira lista, sempre subjectiva, sobre o melhor que o cinema teve para oferecer na década que passou:



160º "The Edge of Seventeen" (2017) - Kelly Fremon Craig

Uma coming of age story contada no feminino com um argumento que foge aos padrões habituais do género. Hailee Steinfeld, ajudada por Woody Harrelson, é a adolescente alternativa e depressiva que odeia a sua idade. Com uma interpretação acima da média, o filme balança o drama familiar com o humor de forma original e particularmente coesa e mete outros filmes do género como Lady Bird a um canto.



159º "Super 8" (2011) - JJ Abrams

Antes de existir Stranger Things e todo o revivalismo 80s existiu Super 8, aquele que continua a ser, até à data, o único filme não pertencente a um franchise realizado por JJ Abrams. Com um visual imersivo e ritmo excitante, o grupo de jovens actores lidera o filme de aventura, terror e ficção científica, sendo provavelmente o melhor filme revivalista da década. E não houve poucos...





158º "Paterson" (2017) - Jim Jarmusch

Com mais uma brilhante interpretação de Adam Driver, Jarmusch reflecte sobre a poesia da vida simples do dia a dia, a chamada ode à vida quotidiana mundana. É o filme melancólico ideal para ver numa noite fria, admirando as pequenas coisas que a vida nos dá.




157º "The Nice Guys" (2016) - Shane Black

Idos vão os tempos dos buddy moviescops ou não, como Tango e Cash ou Arma Mortífera, mas The Nice Guys faz um trabalho irresistível ao conseguir juntar uma excelente realização, narrativa, mas sobretudo uma parceria mais que carismática entre um brutamontes Russel Crowe e um espertalhão Ryan Gosling.



156º "Darkest Hour" (2018) - Joe Wright

Raros são os biopics que chegam à época de Óscares merecendo toda a atenção que receberam, mas Darkest Hour é um belíssimo retrato da decisiva intervenção de Churchill na Segunda Guerra Mundial, carregado com uma brilhante interpretação de Gary Oldman. Darkest Hour é um bom exemplo de como realizar o biopic sem que seja apenas "mais um".




155º "Coming Home"/"Gui Lai" (2015) - Zhang Yimou

O veterano realizador chinês assinou em 2015 um melodrama vertiginoso que não tem vergonha de o ser, assumindo numa camada inferior uma mensagem político social difícil de ignorar. É também isto cinema, a arte de tocar nos sentimentos do espectador, de o fazer pensar, de o fazer sonhar.




154º "Personal Shopper" (2017) - Olivier Assayas

Olivier Assayas volta a surpreender com um thriller dramático fora da caixa tão coeso que é impossível apontar-lhe defeitos. É a melhor interpretação da carreira de Kristen Stewart que consegue levar o espectador a um Mundo estranho e imersivo, entre o sonho e o pesadelo.




153º "The Beaver" (2011) - Jodie Foster

Na fase mais difícil da vida de Mel Gibson, Jodie Foster decidiu realizar e co-protagonizar este drama existencialista que usa como pano de fundo a depressão. Curioso o paralelismo da sua personagem principal com a vida do próprio protagonista. The Beaver pode ser um filme miserabilista, por vezes enervante, mas fá-lo com uma originalidade desconcertante que merece todo o louvor.




152º "The New Daughter" (2010) - Luis Berdejo

Inauguramos o género de terror com The New Daughter, um filme misterioso protagonizado por Kevin Costner que não recebeu metade da atenção que devia. De original não tem nada: casa isolada, criança com comportamentos estranhos, mas a execução lenta e consciente de Berdejo, que coloca de lado o susto fácil e a violência em detrimento de efeitos especiais práticos e construção de atmosfera, merece um aplauso.




151º "Taken" (2010) - Pierre Morel

Quando estreou Taken de certa forma revolucionou a forma de fazer cinema de acção nos Estados Unidos, com uma cativante personagem interpretada por Liam Neeson a executar brilhantes coreografias de acção que viriam depois a ser adoptadas em filmes superiores como John Wick. Taken abriu caminho e é, por mérito próprio, um filme de culto.



150º "Lone Survivor" (2014) - Peter Berg

A década de 2010 teve vários belos exemplares de cinema de guerra e Lone Survivor é um deles. Tecnicamente irrepreensível, nomeadamente a nível sonoro, este é um filme de acção/guerra de rara tensão que ignora o politicamente correcto que marcou a maioria do cinema de guerra da era Obama.




149º "Jurassic World: Fallen Kingdom" (2018) - J.A. Bayona

Esta pode ser uma escolha polémica, mas Jurassic World: Fallen Kingdom é um exemplo de como fazer bom cinema de pipoca com identidade suficiente para nos ficar na memória como algo mais do que apenas mais um. Como esquecer a perseguição de horror gótico na mansão à Lua cheia protagonizada por um exemplar de tudo o que está errado à luz da bioética?




148º "Get Out" (2017) - Jordan Peele

Para uns tremendamente original, para outros terror básico e genérico, Get Out é um filme divisivo que consegue abordar com um olho interessante um novo conceito de horror racial. Pode ser forçado, é verdade, mas o surrealismo e o mistério da situação proposta por Jordan Peele é uma das coisas mais intrigantes dos anos recentes.



147º "The Fighter" (2011) - David O. Russel

Um drama familiar de desporto com uma interpretação com um, como sempre, superlativo Christian Bale a roubar o spotlight num argumento sólido que tem como tela uma América industrial e marginal. O. Russel dirige habilmente, mas é a interpretação de Bale que fica para a história.






146º "The Martian" (2015) - Ridley Scott

Mais um exemplar de que é possível fazer bom cinema comercial, com um veterano Ridley Scott quase que a caricaturar os filmes de propaganda americana dos anos 90. The Martian é um filme inteligente e astuto que entretém o espectador do primeiro ao último minuto, usando os lugares comuns do filme catástrofe de forma quase irónica a seu favor. Até ficamos com os olhos trocados.



 145º "Mandy" (2018) - Panos Cosmatos

Nicholas Cage não está morto. Está bom e recomenda-se. É difícil descrever por palavras o filme de Cosmatos. Metade trip de lsd potente de caixão à cova, metade Cage louco num brilhante thriller de acção, Mandy desafia os limites do género, mas também os limites da paciência do espectador. Ainda assim é precisamente com a libertação de Cage em plena casa de banho que o espectador se liberta do estado sonâmbulo em que se encontra para uma das mais originais experiências cinematográficas da sua vida.




144º "Good Time" (2017) - Benny Safdie, Josh Safdie

Os irmãos Safdie realizam este original crime thriller que ajuda a consolidar Robert Pattinson como um dos melhores actores desta geração. Visualmente delicioso e narrativamente criativo, Good Time é um filme incómodo que ao mesmo tempo nos dá prazer, como coçar uma borbulha. Um guilty pleasure de rara qualidade.




143º "Godzilla" (2014) - Gareth Edwards

Digam o que quiserem, mas a nosso ver o reboot de Gareth Edwards do mítico Godzilla é o melhor monster movie da década. O género Kaiju funde-se na perfeição com o mistério e terror vivido pelos pequenos humanos que de repente se vêm a braços com a destruição da sua cidade. Protagonizado por nomes como Bryan Cranston ou Elizabeth Olsen, Godzilla é visualmente brilhante, oferece uma realização sufocante e toda a tensão que podemos desejar de um filme do género.




142º "Prometheus" (2012) - Ridley Scott

Prometheus é um filme divisivo e desequilibrado, mas tudo isso é compensado pela sua produção, pelas temáticas que introduz (da bioética à religião), pela enorme interpretação de Fassbender, e sobretudo pelo regresso de Ridley Scott ao franchise de culto que criou: Alien. Scott coloca o espectador numa espiral de questões, acção e terror irresistível.




141º "Out of the Furnace" (2013) - Scott Cooper

Fascinante a forma como Scott Cooper pega nos seus actores e transforma um revenge thriller aparentemente comum passado na América profunda num objecto de culto. Um Woody Harrelson lunático e aterrorizador em pico de forma, um Christian Bale irrepreensível que carrega o drama às suas costas e um frágil e revoltado Casey Affleck fazem de Out of the Furnace um belíssimo filme de actores que não precisam de efeitos especiais nem maquilhagem para brilhar.



140º "Dunkirk" (2017) - Christopher Nolan

Provavelmente não existe nenhum realizador neste momento em Hollywood a gastar milhões tão bem como Nolan. Dunkirk é mais um filme com uma estrutura original, e, dentro do cinema comercial, talvez o mais intenso da década. Tecnicamente irrepreensível, Nolan coloca o espectador na cadeira de observador, sem personagens principais, sem heróis, apenas observando o horror, o movimento.




139º "Locke" (2014) - Steven Knight

Num exercício original pela sua estrutura e tom  underwhelming, Knight filma Locke numa localização única, com um Tom Hardy superlativo no interior do seu carro, procurando resolver a sua vida profissional e familiar. Uma espécie de thriller que joga com as regras da vida da pessoa comum ao invés de terroristas e assassinos. Poderia parecer apenas uma tentativa de algo que se quer diferente à força, mas Locke nunca perde a solidez do seu argumento.



138º "Sully" (2016) - Clint Eastwood

Eastwood volta à glorificação do herói do dia a dia, com a história real do piloto que aterrou um avião comercial de passageiros em pleno rio Hudson após uma avaria técnica. Poderia ser mais uma xaropada americana, mas com Eastwood não o é. Nunca é. Sully é um filme sempre ciente da sua estabilidade argumentativa, que entrega ao espectador um Tom Hanks (um herói do dia a dia) em excelente forma. E depois existe ainda o soberbo trabalho de edição e mistura de som...




137º "The Visit" (2015) - M. Night Shyamalan

Foi o tão esperado regresso de Shyamalan à boa forma depois de atrocidades como The Last Airbender. Uma comédia de terror criativa que joga com as regras do género para criar algo que afinal nem é assim tão assustador? Um filme sem uma pinga de pretensiosismo que nunca se leva demasiado a sério, com a realização que sempre foi cunho de Shyamalan. Umas vezes resulta, outras não. Aqui resultou muito bem.


136º "The Flowers of War" (2011) - Yimou Zhang

Drama de guerra do veterano realizador chinês, Bale (mais uma grande interpretação) é um padre americano enviado para ser responsável por uma catedral ocidental em plena capital da China, em 1937, que serve de refúgio a várias mulheres perante os horrores da invasão japonesa que tomou de assalto a capital. Zhang não se preocupa,e bem, com a reconstituição histórica do que se passou, mas sim com o drama de personagem, o vulnerável padre, e as mulheres que procura proteger. Pode ser apelidado de melodrama, como é apanágio recente do realizador, mas tomara todos os melodramas serem assim.


135º "The Ides of March" (2011) - George Clooney

Clooney sempre teve jeito para este tipo de filmes de bastidores, clinicamente frios, crus e amorais. Relembremos Michael Clayton. Gosling faz dupla nesta guerra fria política negra e viciante, a lembrar a linguagem dos velhos filmes noir. 




134º "Call Me By Your Name" (2018) - Luca Guadagnino

Pode ser chocante para alguns que a obra que catapultou Guadagnino esteja tão em baixo na lista. É verdade que Call Me By Your Name é uma belíssima história de um primeiro amor contado através dos olhos do jovem Elio, mas não é por isso que deixa de ser um filme contraditório em algumas das suas filosofias para onde remetemos a leitura da nossa crítica completa. Que é um objecto de extrema beleza onírica, disso não restam dúvidas.




133º "Shoplifters" (2018) - Hirokazu Koreeda

Fantástico drama social da realidade japonesa, Koreeda assina mais um grande filme familiar, liberto de pretensiosismo e auto-comiseração. O realizador não se fica pela observação de Ozu, numa linguagem semi-documental, dedicando o último terço da película à dissecação objectiva daquilo que apresentou, para devastação emocional do espectador.





132º "Interstellar" (2014) - Christopher Nolan

Outro belíssimo exemplar de entretenimento comercial de Nolan, desta vez aventurando-se no espaço e no tempo. Já foram mais que debatidos os erros científicos que o filme alegadamente apresenta, mas afinal isto é cinema para ver ou para fazer contas à vida? Um McConaughey em pico de forma e um extraordinário visual fazem de Interstellar um dos thrillers mais entusiasmantes da década.


131º "Star Wars: Episode VIII - The Last Jedi" (2017) - Rian Johnson

Um filme adorado pela crítica, mas não tanto pelos fãs, Rian Johnson está mais preocupado em realizar um grande thriller de ficção científica do que propriamente fazer fan service. Por vezes esquecemo-nos que estamos a ver um Star Wars para viajar num argumento que parece ter vida própria, transposto para a tela com uma mestria imagética e de suspense de rara eficácia. The Last Jedi é o melhor Star Wars desde a trilogia original.



130º "Insidious" (2011) - James Wan

Com The Conjuring, James Wan é o realizador americano responsável pelos melhores blockbusters americanos de terror da década. Insidious joga com todos os clichés do género, sem quaisquer problemas de auto-estima, para construir uma atmosfera de horror de extrema eficácia. Apesar do seu elevado orçamento, consegue parecer um pequeno filme de terror que se deixa queimar lentamente. Delicioso.


129º "Joker" (2019) - Todd Phillips 

Não exageremos. Apesar de ser um fantástico crowd pleaser, Joker não é o melhor filme do ano, não é o melhor filme da década, e certamente não é o melhor filme desde 2001: Odisseia no Espaço. Mas é, por mérito próprio, um grande filme. Com mais uma grande interpretação de Joaquin Phoenix, Joker foge da linguagem comum dos filmes de super heróis para se assumir um drama psicológico que poderia estar a falar de outra personagem qualquer. Bebendo de algo tão distinto deste universo de heróis e vilões, Joker aproxima-se mais um Taxi Driver de Scorsese do que de um Dark Knight de Nolan.



128º "Wind River" (2017) - Taylor Sheridan

Um misterioso thriller policial nas terras do deserto branco do Wyoming, Jeremy Renner e Elizabeth Olsen dão cartas num argumento sólido que poderia ter sido escrito por Fincher. Transportando o espectador para o seu desconfortável manto frio onde parece não haver regras, Wind River é um belíssimo exemplo de construção atmosférica e de personagem.



127º "Rush" (2013) - Ron Howard

Filmes de carros, algo tão difícil de passar com qualidade para a tela, mas Rush é o perfeito exemplo de como deve ser feito. Baseando-se na rivalidade de dois grandes pilotos de Fórmula 1 na década de 70, este é um elogio ao movimento, à rivalidade e à emoção. É o melhor filme de desportos motorizados da década, isto escrito por alguém que nem lhes acha grande piada.





126º "Inception" (2010) - Christopher Nolan

Mais um filme de Nolan nesta tranche. Actualmente parece que ficou na moda maldizer Inception, mas lembram-se bem da originalidade da pica que sentiram ao vê-lo? Como é assinatura do realizador, o ritmo é imparável, a construção de tensão irrespirável e o efeito visual de entretenimento não preço. Todos têm o direito de gostar de cinema e Inception foi o filme que misturou suspense e intelecto como poucos fizeram.



125º "Moneyball" (2012) - Bennet Miller

Quem diria que era possível fazer um grande filme sobre baseball? Mais do que elogiar o desporto, Miller constrói os bastidores da indústria de forma aparentemente fria mas carregada de emoção. O baseball transforma-se em algo mais do que apenas um bater de bolas com um pau por grunhos americanos, com uma interpretação seguríssima de Brad Pitt e a primeira incursão de Jonah Hill fora da comédia.


124º "The Lighthouse" (2019) - Robert Eggers

Depois de realizar The Witch, Eggers vira-se para a solidão surrealista a preto e branco de Pattinson e Dafoe, sozinhos num calhau perdido no mar com o seu misterioso farol. Lembrando os velhos tempos do cinema mudo alemão e o surrealismo dos anos 70, os planos de rosto de Eggers, os monólogos lancinantes, a atmosfera desconcertante, The Lighthouse é uma belíssima experiência para apreciar no grande écrã. em 4:3.


123º "Don't Breathe" (2016) - Fede Alvarez

Mais um grande exemplo da originalidade que o cinema de terror desta década nos proporcionou, Don't Breathe é mais do que apenas a premissa de um grupo de jovens que decide assaltar a casa de um veterano de guerra invisual. O feitiço vira-se contra o feiticeiro neste thriller eficaz que deixará plateias a aplaudir de satisfação, como aconteceu na edição do Motelx por onde passou.




122º "How Do You Know" (2011) - James L. Brooks

É um dos filmes do mestre James L. Brooks (As Good as it Gets) que pior recepção teve e os motivos são, a nosso ver, misteriosos. Reese Witherspoon, Paul Rudd e Owen Wilson formam o triângulo amoroso desta inteligente comédia romântica que foge de moralismos fáceis e lições de vida, mas nos permite ver, de forma fantasiada, os dramas do amor e da família, para terminar numa fantástica cena aberta, em paragem de autocarro, de destino desconhecido. Nota ainda para aquela que foi, provavelmente, o último papel de Jack Nicholson no grande écrã.


121º Fish Tank (2010) - Andrea Arnold

Quando ainda estava a provar ao Mundo o grande actor que é, Fassbender participou neste filme independente de Andrea Arnold sobre uma jovem que começa a questionar a sua identidade quando a sua mãe solteira apresenta um novo namorado. Mais que um filme social realista sobre as classes mais desfavorecidas numa Grã Bretanha desigual, Arnold oferece um olhar voyeurista sobre a intimidade da sua jovem protagonista, com uma realização visceral e desconcertante.


120º "The Old Man and the Gun" (2019) - David Lowery

É o adeus de Robert Redford a uma carreira arrebatadora. Alegadamente o seu último filme, uma reflexão sobre a velhice e a matreirice, sem esquecer o entretenimento que a sua obra sempre soube proporcionar, Redford termina com mais uma deliciosa interpretação ao lado de Sissy Spacek.





119º "The Cabin in the Woods" (2012) - Drew Goddard

Foi apelidado de meta-filme de terror, desmanchando as camadas do género como se fosse uma cebola, brincando consigo próprio e pregando paridas ao espectador. Numa altura em que o horror americano suspirava por novos autores, eis que Goddard, Drew e não Jean Luc, atira as regras do género para uma misturadora e entrega um filme confusamente sólido e eficaz que vai além do mero exercício experimental.





118º "Bad Lieutenant" (2010) - Werner Herzog

Uma espécie de nova aproximação ao clássico com Harvey Keitel, Herzog sai da zona do documentário para pegar num sempre frenético e louco Nic Cage e entregar um filme negro sobre corrupção, com o jeito alucinatório e experimentalista do realizador, que não se coíbe de filmar lagartos em ângulos obtusos enquanto Cage debita os seus monólogos em pano de fundo.




117º "Unstopabble" (2010) - Tony Scott

É um comboio que nunca pára. É esta a proposta de Tony Scott para o super filme pipoca que é protagonizado por Chris Pine e Denzel Washington. E é terrivelmente eficaz. Scott pega no disaster movie e, sem quaisquer pudores, entrega ao espectador um sólido thriller que quase não tem por onde se lhe apontar o dedo. Daria vontade de gozar com esta premissa, mas Tony Scott desarma-nos e prova que não existe lugar para o preconceito de género em cinema.





116º "Maggie" (2015) - Henry Hobson

É Schwarzenegger num raro papel dramático e é fantástico. Uma estranha mistura de horror, drama familiar e thriller, a filha do peso pesado de Hollywood está infectada com uma misteriosa doença e cabe ao pai fazer o melhor para tornar a vida da filha confortável. É precisamente pela originalidade de ver Schwarzenegger num papel tão diferente que o filme resulta. Uma reflexão original que nos dá uma interpretação única do veterano.




115º "Creed" (2015) - Ryan Coogler

Uma espécie de reboot/sequela de Rocky, Creed é um dos melhores filmes de desporto dos últimos anos. A realização au point, um Michael B. Jordan em ascensão e um Stallone que injustamente perdeu o Óscar de melhor Actor Secundário interpretam um argumento orgulhosamente modernaço, com drama social, sem nunca esquecer a emoção e realismo do pugilismo.





114º "10 Cloverfield Lane" (2016) - Dan Trachtenberg

Uma sequela espiritual do emblemático Cloverfield, 10 Cloverfield Lane surgiu nos cinemas de surpresa, efeito do seu brilhante marketing e secretismo de produção. Mary Elizabeth Winstead acorda no bunker do misterioso John Goodman, que lhe diz que lá fora o Mundo acabou devido a uma invasão e um vírus que não sabe caracterizar. Não resta outra escolha à protagonista que não acreditar na palavra do seu captor. Um dos filmes mais tensos e originais da década, não há dúvida que o chamado cinema de género deu cartas para este Top.





113º "Toy Story 4" (2019) - Josh Cooley

Não seria de esperar que Toy Story 4 sequer existisse e muito menos que conseguisse manter o nível em relação aos seus antecessores, mas não é que surpreendentemente consegue? Este 4º capítulo é mais uma emocionante e emocional entrada na história destes brinquedos. É um filme que dividirá os fãs mas é a prova que como não é necessária uma aventura de grandes dimensões para entregar iguais sentimentos ao espectador.





112º "Force Majeure" (2015) - Ruben Ostlund


Criativo drama familiar sobre um pai que decide fugir no momento em que uma avalanche ameaça a sua família, Ruben Ostlund apresenta uma curiosa contemplação do diálogo familiar, em jeito de comédia negra dramática difícil de categorizar. É um filme com uma moral difícil de ignorar e raramente explorada em cinema.






111º "Knock Knock" (2015) - Eli Roth

Filme profundamente divisivo e provocador, Knock Knock questiona a moralidade de um pai de família inesperadamente seduzido até à exaustão por duas belas jovens, acabando por sucumbir à traição. Parte exploitation, parte comédia negra, parte drama erótico, Keanu Reeves é o actor ideal para provocar o sentimento misto que Roth pretende no espectador. E é tão terrivelmente eficaz que provavelmente Knock Knock nunca será visto por ninguém uma segunda vez, nem que seja para evitar discussões de casal.





110º "It Comes At Night" (2017) - Trey Edward Shults

O melhor terror é provavelmente aquele que fica por revelar, uma vez que a atmosfera de mistério e horror esvazia-se ao materializar a confrontação dos seus protagonistas com a fonte do medo. O filme de Shults consegue segurar esta atmosfera até ao último momento num raro exercício minimalista soberbamente realizado. It Comes At Night foi muito elogiado, e não foi sem motivo.





109º "The Hidden Life" (2019) - Terrence Malick

Mais uma incursão de Malick no género visual que caracteriza o seu cinema desde Tree of Life, Hidden Life é um filme naturalista contemplativo e ao mesmo tempo dramaticamente filosófico sobre um objector de consciência austríaco durante a 2º Guerra Mundial. A realização magistral faz relevar a sua temática em cada plano habilmente construído pelo mestre.





108º "The Zero Theorem" (2014) - Terry Gilliam

Mais uma alucinação futurista burocrática de Terry Gilliam na senda de Brazil, Christoph Waltz é um sujeito cuja única tarefa é esperar que um telefone toque para o atender. É, como sempre, uma distopia fascinantemente construída pelo ex Monty Python, e não será o seu minimalismo a menorizar o impacto das sensações que proporciona.






107º "21 Jump Street" (2012) - Christopher Miller, Phil Lord

Uma fantástica comédia buddy cop baseada na famosa série dos anos 80 com Johnny Depp, Channing Tatum e Jonah Hill conseguem construir algo de diferente das regras mainstream das comédias americanas de acção de grande orçamento. A sátira do liceu contemporâneo vs anos 80, as banalidades do dia a dia, o tom provocatório, 21 Jump Street é óptimo!





106º "Foxcatcher" (2015) - Bennett Miller

Mais um drama de desporto, estranhamente realista, com um cast mais habituado à comédia, mas que consegue obter aqui o efeito precisamente contrário. É provavelmente a melhor interpretação da carreira de Channing Tatum e Steve Carell não fica atrás. Um drama humilde, que se revela nas emoções contidas nas suas personagens, é uma lição sobre o que é diametralmente oposto ao melodrama em linguagem cinematográfica.






105º "The Eyes of My Mother" (2016) - Nicolas Pesce

Há algo de horror exploitation neste Eyes of My Mother, alguma influência do infame Martyrs e da sua corrente do "novo extremismo francE^s", enfim, toda uma lógica narrativa e visual brilhantemente cuidada pelas mãos do jovem artista plástico Pesce. É um filme perturbador, original, criativo, com um monstro ambiguamente desenvolvido de forma brilhante por Kika Magalhães ao som de Amália Rodrigues. Seria bom que o nosso país lhe desse o merecido mérito.





104º "Sicario: Day of the Soldado" (2018) - Stefano Sollima

Uma sequela que não fica a dever quase nada ao grande filme de Denis Villeneuve. Del Toro e Josh Brolin estão novamente mergulhados no escuro mundo do narcotráfico, num thriller que oferece realismo e tensão desarmantes e um belo contra-argumento à administração Trump, sem artifícios.





103º "Expendables 2" (2012) - Simon West

Sim, é um dos filmes com os gajos todos do cinema de acção a partir tudo. Introduzindo Van Damme como vilão, Expendables 2 distingue-se dos outros pelo carisma dos seus heróis e particularmente de Van Damme. É uma masterclass sobre como realizar filmes de acção de finais dos anos 80/início dos anos 90 na actualidade cheia de carisma, one liners e músculos.





102º "mother!" (2017) - Darren Aronofsky

É o pesadelo lúcido de Aronofsky, um enorme meta filme metáfora impossível de caracterizar, que polarizou audiências, provocou saídas de sala e ovações de pé. Uma das experiências mais marcantes da década em sala.








 101º "Clouds of Sils Maria" (2015) - Olivier Assayas

Curioso ver como Kristen Stewart e Robert Pattinson se tornaram actores de culto. Stewart consegue rivalizar nesta obra de Assayas com a experiência de Binoche neste drama Bergmaniano sobre o envelhecimento, a fama e o mundo do espectáculo.







100º "Vox Lux" (2019) - Brady Corbet

Se a Star is Born fazia um excelente trabalho ao colocar o espectador em cima do palco, Vox Lux faz um trabalho criativamente superior ao colocar o espectador na plateia, detentor do olhar de um observador clínico. E é essa a relação do espectador com Vox Lux: a de espectador que assiste ao espectáculo da plateia, com uma Natalie Portman livre, subversiva, poderosa.







99º "Another Earth" (2011) - Mike Cahill

Um drama de ficção científica independente de rara beleza, o filme protagonizado por Brit Marling é um raro micro-drama humano com pano de fundo de sci-fi épico. Jogando com artifícios metafísicos e interpretações sólidas, Another Earth é surpreendentemente confortável e minimalisticamente original.






98º "A Herdade" (2019) - Tiago Guedes

Há muito tempo que não se via um filme português tão sólido direccionado para o grande público. Um épico histórico familiar acerca de uma herdade no Alentejo e a família que a governa. Albano Jerónimo é brilhante numa não menos brilhante realização de Tiago Guedes que finalmente se afirma como, e é arriscada a afirmação, o primeiro realizador a fazer cinema comercial a sério em Portugal.






97º "Martha Marcy May Marlene" (2012) - Sean Durkin

Desconcertante drama acerca de um culto algures na ruralidade norte-americana, Elizabeth Olsen é a jovem "recruta", repleta de sonhos que irá ouvir as palavras do "mestre" John Hawkes. MMMM é perversamente sombrio e psicologicamente desafiante, realizado de forma sábia e positivamente calculista por Sean Durkin.






96º "Shutter Island" (2010) - Martin Scorsese

O veterano Scorsese realiza um thriller com uma linguagem estranhamente comercial, mostrando que é possível fazer cinema de fácil consumo sem fazer do espectador burro. Um remake espiritual de The Cabinet of Dr. Caligari, este é um thriller psicológico de belo efeito com mais uma grande performance de DiCaprio.






95º "Evil Dead" (2013) - Fede Alvarez

Remake do filme de culto com Bruce Campbell, esta nova versão de Fede Alvarez ganha também estatuto de culto por mérito próprio. Evil Dead é um festival de gore, humor negro satírico e homenagem ao original de Sam Raimi que não está preocupado em copiar, mas sim em criar. É o filme moderno perfeito para uma noite de Halloween.





94º "Carnage" (2011) - Roman Polanski

Deliciosa adaptação de Polanski da original peça de teatro, dois casais discutem uma briga entre os dois filhos na escola numa brilhante comédia negra, sem nunca sair do mesmo espaço. Só seria possível com as 4 brilhantes interpretações dos seus protagonistas.








93º "Suspiria" (2018) - Luca Guadagnino

Uma aproximação arriscada de Guadagnino ao filme de culto de Carpenter, que tem o mérito de se reinventar. Dotado de uma realização fascinante e uma fotografia refinada, Suspiria é um filme inteligente, mas não tão inteligente como julga ser. Ainda assim o seu elogio ao movimento, ao secretismo, ao oculto, são tudo armas deliciosamente ornamentadas que irão satisfazer o espectador que souber libertar-se do original de Carpenter.






92º "The Shallows" (2016) - Jaume Collet-Serra

Viva a Série B! Thrillers com este grau de originalidade são poucos, porque apesar da temática tubarão ser recorrente provavelmente nunca vimos um tão realista, intenso, minimalista e, por isso mesmo, original. Essa originalidade, aliada a uma realização criativa, vistosa e eficaz fazem deste um dos melhores thrillers Série B dos últimos anos.





91º "Inherent Vice" (2015) - Paul Thomas Anderson

Um filme que não obteve a devida atenção na filmografia de Paul Thomas Anderson e Joaquin Phoenix, este é um drama auspicioso, com um humor neon movido a álcool e psicotrópicos. É sem dúvida desequilibrado, mas é esse desequilíbrio que faz com que muitos o apelidem de obra-prima. Estranho e desafiante, Inherent Vice é uma experiência para ter sem expectativas.



90º "Slow West" (2015) - John Maclean

Uma pedra preciosa escondida que foi ignorada por muitos, Slow West é um western que desafia convenções de género, com uma realização sensitiva, por vezes mesmo surrealista e alucinogénia, como o absinto que os seus protagonistas bebem numa noite de tempestade. Fassbender junta mais interpretação de grande presença à sua filmografia.




 
89º "Don Jon" (2013) - Joseph Gordon-Levitt

Foi a estreia na realização de Gordon-Levitt. À primeira vista Don Jon pode parecer um filme perfeitamente dispensável, com o seu protagonista rudimentar cujos únicos interesses são ir ao ginásio, engatar miúdas em discotecas e ver pornografia. Surpreendentemente, a ausência de pretensiosismo e a objectividade na análise "expectativas vs realidade" elevam esta aparente comédia romântica num relevante drama interior. Acresce a realização competente com traços de personalidade.



88º "The Handmaiden" (2017) - Chan-wook Park

Do realizador de OldBoy, este é mais um belo exercício de cinema de Park. Com uma realização cuidada, com composições cénicas de época pensadas ao detalhe em que cada plano parece tratar-se de uma fotografia, o sul-coreano traz uma narrativa de drama e paixão igualmente forte que apenas peca por por vezes se colar demasiado ao estilo ocidental.





87º "It Follows" (2015) - David Robert Mitchell

Há quem diga que It Follows é o melhor filme de terror da década. Talvez não o seja, mas é sem dúvida um dos mais originais. Numa moldura estética retro, com banda sonora synthwave, e uma realização que pisca o olho ao melhor de Carpenter, It Follows usa a transmissão de doenças venéreas como metáfora para a transmissão de um terror ou maldição sem forma que persegue o portador até às últimas consequências.





86º "Cave of Forgotten Dreams" (2012) - Werner Herzog

Trata-se de mais um brilhante documentário de Herzog. Esta caverna dos sonhos perdidos descoberta em França em 1994 apresenta a arte rupestre mais antiga por nós conhecida, pintada por humanos do paleolítico superior há 32 mil anos. Herzog conseguiu ganhar acesso à caverna capturando imagens fascinantes que funcionam como uma cápsula do tempo para um passado que o Homem moderno não tem como compreender.




85º "The Innkeepers" (2011) - Ti West

Ti West pertence a uma nova geração de cineastas, e dir-se-ia entusiastas, de filmes de terror que conhece o género de trás para a frente. Aos 29 anos já havia realizado o soberbo The House of the Devil, um dos melhores filmes de terror americanos da era moderna. Innkeepers segue essa linha de horror slow-burn, mais preocupado com a caracterização dos espaços e da atmosfera arrepiante do que propriamente em saciar o espectador mais impaciente. É um low-budget minimalista que dá uma lição sobre como fazer cinema de terror de forma brilhante não se envergonhando de pegar na velha premissa do hotel assombrado, sem truques de montagem ou CGI.




84º "Mud" (2013) - Jeff Nichols

É um conto de fadas onírico passado nas margens do Mississipi, onde duas crianças idolatram um eremita que perdeu o seu amor. Matthew McConaughey tem uma presença fortíssima neste filme de aparência leve mas conteúdo realista e pesado visto do ponto de vista da inocência juvenil.





83º "Still Alice" (2015) - Richard Glatzer e Wash Wastemoreland

Uma história tragicamente bela sobre a doença de alzheimer onde Julianne Moore entrega uma interpretação soberba que finalmente valeu o Óscar a esta que é certamente uma das 5 melhores actrizes de Hollywood no activo. Com um argumento cuidadoso, Still Alice consegue construir eficazmente no campo da identidade e mortalidade, além do drama familiar.




82º "Melancholia" (2011) - Lars Von Trier

Antes de perder o norte a favor do cinema provocatório pífio da sua obra mais recente, Lars Von Trier fazia bom cinema. Melancholia é um dos filmes mais educados do polémico dinamarquês, ainda que se mantenha fiel ao seu estilo. Uma depressão incorporada por Kirsten Dunst é o epicentro deste filme catástrofe nauseante de difícil digestão no qual a Terra se aproxima do seu final. Grandioso dentro do seu minimalismo, Melancholia é um filme poderoso narrativa e esteticamente, além dos sempre presentes símbolos que o realizador gosta de inserir nos seus filmes.




81º "La Piel Que Habito" (2011) - Pedro Almodôvar


Será este o filme mais original do cineasta espanhol? É provável. Carta de amor a Les Yeux Sans Visage (Eyes Without a Face) de Georges Franju, este é um drama de seio familiar com roupagem de terror psicológico e elementos de body horror no qual Banderas entrega a interpretação mais desconcertante da sua carreira.






80º "Piercing" (2018) - Nicolas Pesce

Pesce pisca o olho a Audition de Takashi Miike neste minimalista e labiríntico filme neo noir que se alimenta da deliciosa química entre o subvalorizado Christopher Abbot e Mia Wasikowska. Uma noite esteticamente delirante e hipnótica sobre uma estranha forma de amor habilmente conduzido pelos seus protagonistas.





79º "The Peanuts Movie" (2015) - Steve Martino

Um pequeno filme de animação em dimensão, mas enorme em qualidade e significado, Peanuts Movie é uma chapada de luva branca à deturpação que o cinema de animação tem vindo a sofrer nos últimos anos. A adaptação da clássica banda desenhada é feita com todo o respeito e inocência que merece, capturando a intemporalidade do material original e mostrando que ainda existe lugar para este cinema que parece extinto.




78º "The Dressmaker" (2015) - Jocelyn Moorhouse

Mais um filme que prima pela originalidade e fluidez de género, a realizadora australiana dá-nos um filme sobre uma designer/costureira que regressa à sua pequena terra natal para dar uma vingança às más línguas locais através do seu sucesso. Carregado de personagens sui generis, The Dressmaker vai do romance à comédia negra num fechar de olhos de forma deliciosa. É um pequeno filme charmoso, cheio de personalidade, que demonstra como uma pequena comunidade onde não se passa nada consegue, por mérito próprio, fazer com que se passe de tudo. 




77º "Adieu au Langage" (2015) - Jean-Luc Godard

Aos 85 anos Godard continua a fazer experiências. Adieu au Langage é mais uma. Um exercício essencialmente formal sobre a utilização do 3D em cinema para nos contar uma narrativa surrealista fragmentada sob várias perspectivas, jogando com cores, profundidades e até mesmo com as imagens distintas captadas por cada um dos olhos do espectador. Um filme que desafia as convenções do cinema para criar algo impensável: um filme único desde o nascimento da sétima arte.




76º "Crawl" (2019) - Alexandre Aja

Tarantino elegeu-o como o melhor filme de 2019, o que parece uma parvoíce, mas será assim tão estapafúrdio? Não. Crawl é um filme série B de entretenimento sobre mãe e pai presos numa casa com crocodilos mortíferos, mas é a execução de um Alexandre Aja em pico de forma que faz com que este seja um dos melhores série B dos últimos anos, repleto com todos os ingredientes, fresquíssimos, e uma magnética Kaya Scodelario.




75º "American Sniper" (2015) - Clint Eastwood

Confundido por muitos como propaganda pró-guerra, American Sniper é na verdade uma análise Eastwoodiana sobre o trauma da guerra do Iraque e a mentalidade bélica patriótica do seu protagonista: o estereótipo do texano que acredita que através da guerra está a defender o seu país, e nada está acima disso. Eastwood não toma qualquer partido político, limitando-se a mostrar de forma objectiva o outro lado de uma visão raramente mostrada num cinema hollywoodiano tendencialmente democrata.




74º "Like Father, Like Son" (2013) - Hirokazu Koreeda

O prestigiado realizador sul-coreano volta ao tema da família para colocar uma questão moral acerca do significado do amor após dois casais socialmente muito distintos descobrirem que os seus filhos foram trocados após nascença há anos atrás. É com uma realização fria que Koreeda extrai interpretações calorosas de todos os seus protagonistas num dos filmes mais belos da década.




73º "Toy Story 3" (2010) - Lee Unkrich

Muitos indicam os filmes Toy Story como o expoente máximo do cinema de animação. É uma visão arrojada, mas é inegável a qualidade que a Pixar continua a entregar nesta metáfora emocional no plástico de brinquedos. O terceiro capítulo consegue explorar os sentimentos das suas personagens e projetá-los no espectador de forma notável, numa montanha russa de emoções inteligente acerca da entrada na vida adulta.





72º "Steve Jobs" (2015) - Danny Boyle

Não há dúvida que Danny Boyle é um realizador e pêras. Se a isso juntarmos a qualidade de Sorkin no argumento (no argumento apenas, na realização Sorkin é um desastre) e a presença de Fassbender e Kate Winslet seria difícil não obter um bom resultado. Mas é melhor que isso. Pouco importa se os factos narrados sobre o seu polémico protagonista são reais, este filme é um portentoso relato do seu tempo e um belo exemplo do que é possível fazer com o talento de Hollywood.



71º "All Is Lost" (2014) - J. C. Chandor

A celebração do silêncio, da imagem e da estrela que é Robert Redford. Redford carrega sozinho um filme sem diálogo sobre um perito em navegação que se vê perdido à deriva algures no meio do Oceano. Em vez de se preocupar com clichés de género, como flashbacks familiares, gritos para o céu ou amigos imaginários, All Is Lost prefere uma abordagem realista, contemplativa e sóbria sobre a impotência.



70º "The Mule" (2019) - Clint Eastwood

Este inesperado regresso de quem supostamente não iria regressar à tela é uma belíssima meditação sobre o fim da vida Eastwoodiana, um rijo, com histórias para contar e erros para apagar. The Mule tem uma viscosidade fora do normal, num mundo sujo minado pelo tráfico de droga onde um nonagenário de voz enrouquecida procura algo de melhor, como que à deriva, até finalmente chegar a bom porto e definir as prioridade que tinha adormecidas há décadas.



69º "Hacksaw Ridge" (2016) - Mel Gibson

A violência, fetiche do realizador, está lá toda neste regresso triunfal de um polémico Mel Gibson à realização que obteve uma ovação de 10 minutos em Veneza, aquando da sua estreia mundial. O role model objector de consciência e bom rapaz (tipo simpático este Andrew Garfield) transporta uma mensagem interessante nos tempos que correm, num hino à não violência e à não morte que ironicamente acaba por ser o prato principal do filme.




68º "Gravity" (2013) - Alfonso Cuarón

Uma experiência técnica e visual ímpar, e talvez o expoente máximo dos 3Ds e IMAXs desta vida. Alfonso Cuarón, mestre confirmado por Roma, criou esta experiência sobretudo sensorial que é inegável marco no cinema comercial de alto orçamento, reflectindo no isolamento do ser humano sempre com a casa, a Terra, como pano de fundo.



67º "Spotlight" (2015) - Tom McCarthy

Existem algumas camadas por onde pegar este Spotlight, mas é a sua coesão e olhar clínico que constituem as suas maiores forças. Pode dizer-se que Spotlight é uma espécie de Os Homens do Presidente (de 1976 acerca do caso Watergate) moderno. Um filme que traduz as melhores características do jornalismo de investigação e da influência que este pode ter na sociedade. Afinal esse é o grande poder dos media.




66º "John Wick: Chapter 2" (2017) - Chad Stahelski

O primeiro John Wick foi uma injecção de criatividade conceptual, visual e coreográficas num cinema de acção que está desgastado de ideias, e essa alma mantém-se na sequela. Coreografias extraordinárias, personagens carismáticas e um total despretensiosismo em querer ser mais do que aquilo que é. 



65º "Nocturnal Animals" (2016) - Tom Ford

Há algo de David Lynch nestes Animais Nocturnos. A sua narrativa e personagens, verdadeiramente nocturnas no sentido figurado, taciturnas, que não mostram alegria, desenvolvem-se nas várias fragmentações do filme, compondo um thriller de rara apreensão e desconforto para o espectador. Nocturnal Animals é como um pássaro mitológico com várias asas que acaba por nunca se desequilibrar.





64º "The Hunt" (2013) - Thomas Vinterberg

É a melhor interpretação da carreira de Mads Mikkelsen. Um drama marásmico acerca da presunção de inocência num crime hediondo, The Hunt é uma reflexão sobre o efeito dominó que uma acusação ou mal entendido pode ter numa comunidade, com consequências irreparáveis, onde o moralismo e a lógica se perdem perante a histeria colectiva.






63º "Before Midnight" (2013) - Richard Linklater

Richard Linklater consegue, neste terceiro capítulo, igualar ou mesmo superar a qualidade dos dois primeiros momentos do delicioso romance protagonizado por Ethan Hawke e Julie Delpy. Diálogos inteligentes filmados em cenas longas onde os actores continuam a brilhar, demonstram realisticamente o evoluir e desgastar de uma relação, os pequenos trejeitos de linguagem e o sentimento de carinho entre duas almas apaixonadas ao longo de 18 anos.



62º "Miss Julie" (2015) - Liv Ullmann

A musa de Ingmar Bergman, que tem agora 82 anos, também tem queda para a realização. Miss Julie é um cinema que se aproxima da linguagem do mestre sueco, uma eficaz lição de mise en scéne, como se de uma peça de teatro se tratasse, onde o movimento e o diálogo protagonizados pelos virtuosos Colin Farrell, Jessica Chastain e Samantha Morton é o saboroso prato principal. Um filme de época invulgar que infelizmente não recebeu a atenção que merecia.




61º "Zero Dark Thirty" (2013) - Kathryn Bigelow

Depois de realizar o grande filme que é The Hurt Locker, Bigelow regressa com um thriller de investigação, policial e política, sempre sóbrio, calculado, com cada cena realizada e escrita de forma essencial, sem espaço para devaneios, tudo "comme il faut". A forma limpa, exacta, como o filme se encaixa não cansa o espectador num filme que passa grande parte do seu tempo em corredores de escritórios. Tudo isto sob o véu obsessivo protagonizado por Jessica Chastain.



60º "Parasite" (2019) - Bong Joon Ho

Surpreendeu toda a gente quando venceu o Óscar de Melhor Filme. O primeiro filme "estrangeiro" a ser o grande vencedor da noite. O cineasta sul-coreano faz um belíssimo trabalho ao guiar o brilhante elenco numa espécie de gender fluid cinéfilo, entre a comédia negra, o melodrama familiar, o thriller e o filme de terror, abordando temas sociais e familiares de forma sagaz. O mais extraordinário é a forma como o filme nunca se desequilibra, mantendo a coesão do início ao fim.




59º "The Social Network" (2010) - David Fincher

Há quem o considere o filme definitivo da década, e porventura o derradeiro ilustrador da actualidade. É mais um excelente argumento escrito por Aaron Sorkin, acompanhado por uma realização de Fincher na senda de Zodiac: mais objectiva, mais fria, mais calculista. Calha bem com a personagem central de Mark Zuckerberg. No entanto, que não se julgue que este é apenas um estudo sobre o facebook, nem sobre o impacto das redes sociais no Mundo. É antes uma visão impiedosa sobre ambição, corporativismo e empreendedorismo.




58º "The Conjuring" (2013) - James Wan

É aquilo que se pode considerar um exorcista dos tempos modernos. O que o superioriza enquanto filme de terror face aos seus pares é a forma como consegue transmitir de forma refrescante a narrativa de casa assombrada na sua primeira metade, para depois analisar esse "terror" perante a visão desconstrutiva do casal expert em demónios interpretado por Patrick Wilson e Vera Farmiga.




57º "The Counselor" (2013) - Ridley Scott

Esta escolha divisiva vai para um filme que foi arrasado por muitos que esperavam um thriller com um prometedor elenco que conta com Fassbender, Pitt, Diaz, Bardem, Cruz, entre outros. Nada disso. The Counselor é um filme que vive do diálogo, da "personagem", da visceralidade da interpretação, que tem a sua origem na inspirada escrita de Cormac McCarthy. O lendário Ridley Scott faz o resto, numa fabulosa carta de amor ao cinema noir.





56º "Song to Song" (2017) - Terrence Malick

Há duas maneiras de se olhar para o cinema actual de Terrence Malick. A primeira é olhar para ele como a obra de um artesão que pretende transmitir as suas ideias, com actores escolhidos a dedo, os melhores, deixando o espectador envolver-se na sua arte, deliciando-se com as suas imagens e a sua narração. A segunda é olhando para ele de forma fria, ignorando os seus autores e protagonistas, enquanto puro exibicionismo imagético, filosofia pop barata e uma narração fragmentada perdida no seu próprio labirinto. Subjectivamente preferimos a primeira.



55º "Django Unchained" (2013) - Quentin Tarantino

Tarantino parte para o faroeste abrindo a porta da ferida da escravatura e do racismo no cinema norte-americano para as grandes massas, lado a lado com 12 Years a Slave. É mais um grande filme do realizador de culto. Começando pelo design de produção e terminando na impressionante interpretação de DiCaprio, a linguagem do cinema mais clássico de Inglorious Basterds mantém-se, mantendo-se também toda a acidez e humor negro com que Tarantino assina a maioria dos seus filmes.




54º "The Homesman" (2014) - Tommy Lee Jones

Tendo como ponto de partida o Western, Tommy Lee Jones constrói um drama progressista, com laivos de cinema experimental e de horror, sobre a palavra, o orgulho, o luto e a imutabilidade da essência do indivíduo. Homesman é um filme absorvente como poucos que nos oferece uma experiência visual e sensorial requintada, bem como uma interpretação totalmente livre de Tommy Lee Jones e a melhor Hilary Swank desde Million Dollar Baby.




53º "First Man" (2018) - Damien Chazelle

A história de Neil Armstrong, num underacting espantoso de Ryan Gosling, e da chegada do Homem à Lua é um portento técnico cinematográfico, quer visualmente, quer na sua componente sonora. Um documento biográfico/histórico imersivo de rara frieza e objectividade, uma lição sobre como fazer o biopic sem melodrama de mau gosto ou glorificação. Somado a tudo isto, Chazelle consegue transmitir ao espectador um raro sentimento de aventura face ao desconhecido ao qual é difícil resistir. 




52º "Midsommar" (2019) - Ari Aster

Segunda longa metragem de um realizador que promete refrescar o cinema de terror e que já se tornou referência de culto. Midsommar é um dos filmes mais originais dos últimos tempos, recusando os conceitos de género pré concebidos e oferecendo um produto experimental, passando-se totalmente à luz do sol numa comunidade bizarra movida a alucinogéneos, estranhamente realista e sinistro.




51º "When Marnie Was There" (2014) - Hiromasa Yonebayashi

Produzido pelos estúdios Ghibli, When Marnie Was There aparenta ser um filme simples, ternurento e algo inconsequente sobre a juventude da primeira vez que se olha para ela. É muito mais complexo do que aparenta. O filme embala-nos com a maior das eficácias no seu imaginário, na sua ruralidade e nos seus temas, familiares em ambos os sentidos da palavra, que conseguem revolver alguns preconceitos e estereótipos sem nunca os chamar pelo nome.



50º "Whiplash"(2014) - Damien Chazelle

O duo de protagonistas guiam o espectador através de um mundo de desafio, disciplina, comprometimento e obtenção de resultados, com sangue suor e lágrimas, numa hipérbole sobre transcendência e sucesso através do trabalho. A forma como o argumento se interlaça com a formalidade da realização é intensa e visceral, e os seus últimos 12 minutos são do melhor que o cinema ofereceu nos anos recentes.




49º "Nebraska" (2013) - Alexander Payne

Bruce Dern é um homem senil e velho que acredita firmemente ter vencido um prémio, que nada mais é que um flyer de marketing. O seu filho eventualmente aceita levá-lo a levantar o falso prémio numa vila longe, perto da sua terra natal, revivendo velhas memórias e confrontando a realidade da sua vida. Nebraska é um comovente olhar sobre o que acontece onde nada acontece.





48º "The Conjuring 2" (2016) - James Wan

James Wan já havia entregue um extraordinário filme de terror com o primeiro Conjuring, uma homenagem moderna ao horror clássico. Para este segundo capítulo, Wan retira os adornos e as intenções e limita-se a dar uma lição de género, onde menos é mais, e onde todas as ideias base do terror moderno são aperfeiçoadas. Conjuring 2 é um filme verdadeiramente aterrador, indutor de ansiedade, que joga com a antecipação e o desconhecido com a mestria de um James Wan em pico de forma.




47º "Knight of Cups" (2016) - Terrence Malick 

Desde Tree of Life que o cinema de Malick está diferente. Mais existencialista, mais contemplativo, mais simbólico. O grande busílis destas obras mais recentes, e em particular desde Knight of Cups, é tentar discernir se este é ou não, afinal, um filme que vive apenas da forma, trazendo pouco ou nenhum conteúdo e passível de ser acusado de pretensioso e inconsequente. Não somos dessa opinião. Knight of Cups é um filme livre de regras, como já era Badlands em 73. Um filme livre na sua forma, na sua narração e no seu movimento ocular, na sua luz. Um filme humilde que não aspira a nada. É esse o seu grande trunfo.




46º "The Imaginarium of Dr. Parnassus" (2010) - Terry Gilliam

Ficará para sempre conhecido como o último filme de Heath Ledger, cuja inesperada morte obrigou Gilliam a moldar a narrativa de forma excepcional, trazendo Colin Farrel, Johnny Depp e Jude Law a encarnar Ledger dentro da mente imaginária do Dr. Parnassus que só pode ser descrita como um lugar mágico de deleite visual onde habita o incompreendido génio do ex Monty Python, Terry Gilliam.



45º "The Tale of Princess Kaguya" (2013) - Isao Takahata

É o melhor filme de animação da década. Os estúdios Ghibli excederam-se na criação de uma animação refrescante, de traço tradicional, como se de um livro ilustrado a aguarela se tratasse, para contar uma história tradicional japonesa acerca de uma pequena princesa nascida de uma cana de bambu que irá atingir o mais duro dos espectadores.




44º "Roma" (2018) - Alfonso Cuarón

É a prova de que Cuarón não é apenas um mestre do cinema comercial e de que está anos luz acima dos seus dois palermas amigos Del Toro e Iñarritu. Roma é uma obra prima estética filmada a preto e branco que ilustra, na ausência de cor, um quente México dos anos 70 em clima revolucionário a partir do olhar de uma criada de uma família de classe média e da relação que se cria entre ambos. A composição do já conhecido plano sequência de Cuarón, todo o design de produção e a objectividade da sua narrativa, sem panos quentes ou pretensiosismos, fazem de Roma um documento cinematográfico essencial.




43º "BlackKklansman" (2018) - Spike Lee

Dotado de uma estrutura invulgar a duas velocidades: construção de tensão a ritmo lento e descompressão com humor sagaz e provocatório, esta é uma obra política sem o esfregar na cara do espectador, mas antes jogando com os seus conceitos e preconceitos quanto à era "Trumpiana". É isso que o torna refrescante quando comparado com filmes "awareness" recentes como Detroit ou Selma. E o curioso é que, sendo peso pluma na forma descomplexada como apresenta a temática racial, Spike Lee acaba por dar um soco no estômago bem mais forte que a maioria dos seus pares.




42º "Hell or High Water" (2016) - David Mackenzie

O que aconteceu ao velho Oeste de índios e cowboys? Que é feito dele, agora, em 2020? Hell or High Water traz esse retrato, de um Texas deserto, despovoado, desolado e esquecido nos tempos que correm, do fastio daqueles que lá habitam, do seu conformismo perante uma vida de poucas oportunidade, de um estilo de vida que se perdeu mas que erigiu um país e de que os Estados Unidos dos media massificados pelos grandes centros urbanos aparentemente deixaram de se importar. 



41º "Boyhood" (2014) - Richard Linklater

A vida de um rapaz de 6 anos até à entrada na universidade. Nesta histórica produção de 12 anos, Linklater reflecte sobre os pequenos aspectos do crescimento. Do quotidiano, das relações familiares, da escola, das paixões. Das memórias, do divórcio, dos amigos. É só isto? Sim, a vida é apenas isto. E é mais que suficiente.





40º "The Descendants" (2011) - Alexander Payne

É aqui que encontramos Payne no topo da sua forma, vagabundeando entre a comédia comercial e a melancolia do drama familiar. Clooney é um pai que procura reconectar-se com as suas filhas após a perda da mãe. Um filme simples e contemplativo, esmagadoramente produto do seu tempo, que derruba o espectador com meias palavras e pequenas acções, as do dia a dia, aquelas nas quais quase nunca pensamos.




39º "Winter's Bone" (2010) - Debra Granik

O filme que deu a conhecer Jennifer Lawrence ao grande público é mais uma brilhante reflexão social sobre a américa rural, um local tão inóspito que obriga todos os indivíduos, particularmente os mais frágeis, a lutar pela sua sobrevivência. Debra Granik é brilhante na forma como equilibra uma linguagem de cinema independente com o thriller de mistério e o drama social, transportando-nos para um Mundo paralelo que afinal faz parte do nosso.




38º "Haywire" (2011) - Steven Soderberh

Haywire é aquilo que se obtém quando se despe o thriller de acção de todo o artifício e se o concentra nos seus princípios mais básicos: a perseguição, a emboscada, o movimento. Num elenco cheio de estrelas, Soderbergh faz da protagonista Gina Carano, uma lutadora profissional que viu assim abertas as portas do cinema, num papel de poucas palavras, onde estas não mais que veículos de transporte para aquilo que realmente interessa.




37º "Blackhat" (2015) - Michael Mann

Aquilo que foi acima dito sobre Haywire, tem aplicação no Blackhat de Michael Mann, mas aqui de forma ainda mais arrojada. Mann não se coíbe de pegar em lugares comuns como o interesse amoroso para os cuspir na tela de uma forma tão fria que é impossível sentir qualquer empatia. Esse interesse amoro é um elemento como qualquer outro, como a acção, o suspense, o diálogo ou a imagem. Um thriller de acção desconstruído e despido que nos deixa boquiabertos com a sua crueza e objectividade, mas que nem todos irão apreciar.



36º "The Grand Budapest Hotel" (2014) - Wes Anderson

Mais uma grande obra do artista plástico Wes Anderson, este é mais um pitoresco filme em linguagem de comédia acerca de um histórico hotel, que é também um desfilar de bom gosto de humor britânico. É exótico, eloquente e charmoso, deliciando o espectador e transportando-o para o seu pequeno Mundo ilusório. O cinema também é isto.




35º "Warrior" (2011) - Gavin O'Connor

Dois irmãos sem contacto, criados por um pai alcoólico, reencontram-se num ringue de artes marciais mistas. Em papel Warrior é tudo menos interessante, mas é na verdade um amargo drama familiar pontuado por algumas das melhores cenas de combate já filmadas. É como se O'Connor tivesse pegado em todos os clichés do género e os atirasse ao espectador na sua mais excelsa forma. Da realização à interpretação, Warrior é um trabalho visceral notável que prova que também o cinema comercial pode surpreender.




34º "The Witch" (2015) - Robert Eggers

Passado em 1630, em New England, The Witch assume uma personalidade própria. É hermético em espaço e ideias, deixando o espectador numa posição desconfortável perante o modo de vida desta família fanática, mas realisticamente religiosa. Aliando esse desconforto à postura das nossas personagens perante o mistério que aparentemente existirá nos bosques, uma bruxa servente do Diabo, Witch torna-se misteriosamente arrepiante e volta a demonstrar que o horror de sugestão continua a ser o melhor de todos. Vencedor do prémio de melhor realização em Sundance.




33º "You Were Never Really Here" (2018) - Lynne Ramsay

Esta é, acima de tudo, uma experiência de exercício formal, uma observação atenta das entrelinhas que pautam o thriller de acção tradicional. O grande ponto de interesse é o experimentalismo de Ramsay que surge na abordagem com que apresenta as tais entrelinhas: a preparação da emboscada, a observação paciente, as pequenas rotinas, o aguardar. A acção proprimenta dita torna-se acessória do acessório, relegando o espectador para a qualidade de mero observador dos estados de alma do protagonista. Uma espécie de Taxi Driver moderno com um empenhadíssimo Joaquin Phoenix que talvez nem precisasse de ser assim tão exigente consigo próprio. Nós agradecemos.




32º " Blade Runner 2049" (2017) - Dennis Villeneuve

Pode ser polémico, mas não é descabido dizer que Blade Runner 2049 conseque em muitos campos superar o original. Villeneuve assina mais um portento técnico, com um argumento longo e notavelmente coeso que estende o universo criado por Ridley Scott, uma obra de arte visual para admirar, sem medos ou pudores. É igualmente uma masterclass sobre como fazer sequelas.




31º "Silence" (2016) - Martin Scorsese

Talvez já não exista espaço no cinema americano de alto orçamento para a contemplação, e se a temática for religiosa quanto menos a indústria tiver que ver com isto melhor... Talvez isso justifique a ausência de apoio dos grandes estúdios a Scorsese para levar este longo processo que foi Silence a bom porto. Temos aqui um Apocalypse Now religioso, devoto, mas não fanático, contemplativo e inserto. Dois padres, Andrew Garfield e Adam Driver, em busca do seu Marlon Brando, aqui um superlativo Liam Neeson com aquela que é provavelmente a interpretação mais complexa da sua carreira, encarnando uma personagem pesada, carregada de conflitos interiores e apatia.


30º "Short Term 12" (2013) - Destin Daniel Cretton

Um filme com toque independente que confirma Brie Larson como uma das grandes actrizes da sua geração. Um drama social que consegue afastar-se dos estereótipos de pretensiosimo moralista e artística que mina o género. Um filme crú e objectivo sobre o sentimento de altruísmo que é tão raramente bem tratado em cinema.




29º "True Grit" (2010) - Ethan Coen e Joel Coen

Os irmãos Coen dispensam grandes apresentações. O estilo de narrativa mordaz, equilibrando a solidez mais tradicionalista com um humor negro raro e uma excelente direcção de actores é aqui aplicado no remake do clássico western com John Wayne. Da aventura ao humor, da acção ao drama, True Grit é surpreendentemente equilibrado, excedendo-se em todas as suas componentes. É o melhor western da década.


28º "Sicario" (2015) - Denis Villeneuve

É um daqueles raros filmes que conseguem extrair tensão de situações tradicionalmente apresentadas como "normais" para um filme e acção. Aqui o realismo e o respeito pela personagem e o movimento é tanto que quase parece que estamos a ser alvos de uma purificação espiritual perante aquilo que habitualmente nos servem nos thrillers de acção. 



27º "John Wick" (2014) - Chad Stahelski

Parece que Keanu Reeves nasceu para interpretar John Wick: uma personagem aparentemente sem grandes camadas, estilosa e estilisticamente prazerosa de assistir. John Wick é essencialmente um filme série B sem qualquer vergonha de assumir a sua identidade enquanto filme de acção de entretimento. Há aqui algo que o distingue dos demais: o realismo das coreografias de combate e do movimento num cenário exagerado trágico-cómico onde um ex-assassino invencível declara guerra à máfia russa por ter morto o seu pequeno cachorro. Não cansa de ver e rever...


26º "Vitalina Varela" (2019) - Pedro Costa

Um dos principais autores de cinema a nível mundial, Pedro Costa não dá tréguas. Vitalina Varela é mais um poderoso documento que funde ficção e realidade, uma história de fantasmas sociais e políticos na pele de Vitalina, actriz e pessoa real, que chega de Cabo-Verde 3 dias depois da morte do seu marido, estando à espera do bilhete de avião há mais de 25. Um drama de amor unilateral de olhares, rostos e sombras num bairro degradado de Lisboa habitado por aqueles que a sociedade esqueceu.


25º "Hereditary" (2018) - Ari Aster

Esta foi uma belíssima década para os fãs de terror, uma década onde a criatividade e a competência marcaram o género que está em melhor forma que nunca. Hereditary é o expoente máximo disso. A primeira longa-metragem de Ari Aster, que retira de Toni Collete uma interpretação digna de Óscar. Um horror slow-burn, como se quer, sem efeitos a computador e com um desenlace atordoante. Uma história aterradora que nos agarra à cadeira de forma impiedosa, com um desenvolvimento de personagem de uma dimensão rara no género. Não é descabido colocar Hereditary lá em cima, junto de Rosemary's Baby ou Shining, como um dos melhores filmes de terror de sempre.



24º "Killing Them Softly" (2012) - Andrew Dominik

Killing Them Softly é um filme rígido, sóbrio, limpo, frio e lento, por vezes quase alucinogénico, mas sempre empolgante, lembrando a linguagem de filmes como Haywire de Soderbergh, por um lado, e No Country For Old Men, por outro. É difícil resistir à insistência da metáfora económica sempre presente ao longo do filme. Um filme noir e negro de grande mérito, sem exageros, sem grandiosidades, num equilíbrio quase matemático.





23º "The Turin Horse" (2011) - Béla Tarr

Como descrever a experiência sensorial em jeito de maratona de Béla Tarr? Pai e filha presos numa casa decrépita no meio do campo, no olho de uma tempestade de vento que teima em não terminar, em não abandonar a faixa sonora, envolvendo o espectador num desconforto a preto e branco, observando ambos a comer, ciclicamente, uma batata cozida cada. Uma metáfora sobre o fim do mundo, uma parábola sobre o vazio da existência, uma meditação sobre o tempo.


22º "Lucky" (2017) - John Carroll Lynch

Aqui tudo tem a dimensão que deve ter: o bom humor negro característico de Stanton e do seu Lucky, o peso da solidão, a beleza de alguns pequenos e simples discursos, das pequenas relações, dos pequenos gestos, dos pequenos momentos. A determinado ponto do filme, Stanton, numa interpretação brilhante que olha de frente a de Paris, Texas, encarnando ipsis verbis e com uma negríssima ironia o igualmente nonagenário Lucky afirma, em tímido desabafo, que tem medo. Harry Dean Stanton viria a morrer antes de ver o filme estreado em sala.




21º "Three Billboards Outside Ebbing, Missouri" (2017) - Martin McDonagh

Three Billboards Outside Ebbing, Missouri demonstra empiricamente ser possível em cinema que o tratamento de temáticas sociais mais sérias, e consequentemente tabu, numa América mais dividida do que nunca, siga uma outra linguagem fílmica que não apenas a da dramatização da denúncia com vista a um paternalista despertar de mentes. Three Billboards é um brilhante trabalho de desenvolvimento de personagem, onde não existe preto e branco, mas apenas cinzento.




20º "John Wick 3: Parabellum" (2019) - Chad Stahelski

Chad Stahelski, o realizador que assina todos os capítulos de John Wick, e que são os únicos 3 filmes que jamais realizou, teima em fazer-nos acreditar que no género de acção existe cinema grandioso, um cinema cinético capaz de cumprir a cartilha de género e sucessivamente ultrapassá-la. Stahelski insiste em criar e expandir o seu próprio mundo cinematográfico, agarrando e torcendo todos os clichés que isso possa significar. Em John Wick não existe qualquer vergonha na cara, e o realizador já admitiu o admitiu sem rodeios ou falsos preconceitos: "enquanto as pessoas quiserem ver novos capítulos de John Wick, nós vamos continuar a fazê-los". Alguma vez terá existido tamanha humildade na construção de um franchise?




19º "The Irishman" (2019) - Martin Scorsese

Provavelmente o derradeiro gangster movie, pela lente daquele que ajudou a criar as fundações para o género, juntando o cast mais icónico que se poderia imaginar: De Niro, Al Pacino e Joe Pesci. Ao longo das suas 3 horas e meia, observamos a clássica construção narrativa de Scorsese, com uma educação e solidez que supera as inconsistências de Goodfellas e o cinismo de Casino. No seu final um melancólico exercício sobre a vida, a morte, o orgulho e as suas consequências.


18º "Once Upon a Time... in Hollywood" (2019) - Quentin Tarantino

Tarantino continua a dar cartas e a exprimir o seu amor pelo cinema, desta vez em pleno Hollywood no fim da década de 60. Once Upon a Time mistura ficção com realidade, como já havia feito Inglorious Basterds, e apura Tarantino como um artesão de géneros que flui do humor para o thriller sem suor. Interpretações deliciosas de DiCaprio e Brad Pitt num filme que transborda personalidade, jogando com os seus próprios símbolos de forma irresistível.


17º "Mad Max: Fury Road" (2015) - George Miller

Este é um filme de acção para adultos, carregado de adrenalina imparável, explosões e tudo aquilo que se quer. É imaginativo em cada detalhe que o compõe e habilmente realizado de uma forma estranha e original, o que inclui a utilização de efeitos especiais gerados a computador. Este é um dos poucos filmes que o sabe fazer. Mad Max não tem vergonha de enviar o espectador directamente para as areias deste deserto de bizarria e fazê-lo perder-se no seu mundo ímpar, onde cada personagem é mais louca que a outra. Destinado a ser um clássico de culto.


16º "The Artist" (2011) - Michel Hazanavicius

Recusamos a ideia de que The Artist se pretende refugir numa falsa saudade do passado que agora está tão na moda ressuscitar Este é um filme puro, na verdadeira acepção da palavra, com todos os ingredientes de época que consegue com toda a genuinidade deixar-nos felizes. Estão inseridas todas as grandes temáticas do Hollywood comercial (que no fundo era o único Hollywood que existia) da época como a ascensão de uma nova estrela no Mundo do Cinema, a depressão do "Artista" que perde o spotlight, o romance, e, acima de tudo, o excelente humor do cinema mudo. The Artist não esconde a utilização destes clichés, mas fá-lo sempre à distância. Fá-lo porque é assim que deve ser feito.


15º "12 Years a Slave" (2013) - Steve McQueen

12 Years a Slave, tal como Shame ou Hunger, vai além da magistral estética de imagem e camera para apresentar um drama sóbrio, sólido e honesto sobre um homem livre que é raptado e vendidado à escravatura nos Estados Unidos de há 150 anos atrás. McQueen propõe um filme seguro da sua cadência que escolhe emoção acima de gore, atmosfera acima de choque. Um filme que se desenvolve e se torna melhor com o tempo, e que oferece duas brilhantes interpretações de Chiwetel Ejiofor e Michael Fassbender.


14º "Carol" (2015) - Todd Haynes

É pena que se confunda este Carol com um manifesto pela liberdade sexual numa década de tabu, quando o filme é muito mais personagem e sentimento do que propriamente mensagem e ideal, e tanto assim é que o filme nunca dá rótulo à relação das suas duas personagens. Temos uma Cate Blanchett madura, predadora, protectora, presa nos tabus e exigências sociais da época, e uma Rooney Mara jovem, realista mas com sonhos, que quer dizer sim ao desconhecido. A química das duas, e são duas enormes interpretações, é algo que nos faz sentir, esbatendo as noções rígidas daquilo que estamos habituados a que seja o romance no grande écrã.



13º "The Assassin" (2015) - Hou Hsiao-Hsien

A Assassina, incaracterizavel no que diz respeito a género fílmico, move-se no cinzento campo do cinema enquanto arte contemplativa, qual quadro impressionista que nos deixa maravilhados com cada sublime plano. Aqui as cores fazem o seu trabalho. Os silêncios, a quietude entre as antecipadas cenas de "acção" que abandonam o espectador, indefinidamente em suspenso. A consciência da sua protagonista, observadora e quieta nas sombras, confunde-se com a consciência de quem vê A Assassina, tanto enquanto filme como enquanto personagem.


12º "The Wailing" (2016) - Hong-jin Na

Há algo de estranhamente realista em The Wailing. O comportamento das suas personagens, a actuação da polícia, as suas famílias, as suas fragilidades e medos, a chuva, os automóveis, as refeições... Parece que Hong-jin Na tem essa preocupação, de trazer o espectador a um filme fantasioso que talvez, quem sabe, até pudesse ser real. The Wailing vai-se renovando, inicialmente comédia leve encaminhando-se pé ante pé para um horror sufocante, com inúmeros elementos de folclore local que dão ainda mais conteúdo e interesse à trama. Tudo isto se alia a uma cinematografia riquíssima, numa boa variedade de cenários, com planos meticulosamente construídos, objecto por objecto, num detalhamento visualmente tão delicioso que quase o conseguimos cheirar.


11º "Manchester By The Sea" (2016) - Kenneth Lonergan

Muito se tem falado de Manchester by the Sea e da interpretação de Casey Affleck, que seria aqui entendida como magistral ou francamente apática e sobrevalorizada. Este é um filme de pólos, de entendimento dúbio, de propósito vago e anestesiado. Affleck interpreta um homem médio, que perdeu a vontade de viver e se arrasta no dia a dia nas suas pequenas tarefas de porteiro, como quem aceita a sua condição de apatia perante a vida sobre a qual tem dificuldades em reflectir. Tudo é muito bom neste drama que parece nem ter lugar no cinema americano. Há aqui não só algo de cinema cinema europeu e japonês, como também algo de teatral: personagens, diálogos e cenários, tudo com uma acautelada profundidade despretensiosa, tudo na dose adequada, com a sensibilidade da dramaturgia que é profissão do seu realizador.


10º "Moonlight" (2016) - Barry Jenkins

Focado numa comunidade afro-americana em Miami, onde reinam as drogas, a desigualdade social e a falta de oportunidades, Moonlight acompanha Chiron, um miuúdo que não se insere no seu contexto, ao longo de três fases da sua vida: criança, adolescente e jovem adulto. E é tudo isso que é preciso, uma vez que o contexto e a temática central (que na verdade é apenas a superfície de algo mais profundo) é só quadro para uma reflexão maior, sobre a dificuldade de remar contra a corrente seja em que contexto for, sem facilidades dramáticas, com a frieza e o corte necessários para que tudo tenha o peso e medida adequados.



9º "Room" (2015) - Lenny Abrahamson

Não nos vamos esconder-nos atrás de lugares comuns e dizer coisas como Room ser um filme inspirador, tocante e que deixa a nú o instinto de sobrevivência do ser humano ou qualquer coisa assim do género, mas a verdade é que há muito a aprender com ele. Room é sempre sóbrio e incisivo, sem artíficios ou técnicas ilusórias que nos pretendem "tocar no coração" de forma sub-reptícia, o que só enaltece a pureza das imagens de descoberta e autodescoberta das suas personagens. E o que dizer da química existente entre Brie Larson e Jacob Tremblay que transporta todo o filme, e que invoca as características mais básicas, complexas, intensas e naturais que caracterizam, mesmo na mais extrema das situações, a relação entre uma mãe e um filho? De vez em quando aparecem filmes assim, que nos atingem de forma quase fatal.


8º "Cavalo Dinheiro" (2014) - Pedro Costa

Paulo Costa é o grande nome do cinema de autor da década. Cavalo Dinheiro é uma obra prima de sombras e imagem acerca do trauma dos emigrantes da ex-colónias que atravessaram do Estado Novo para a democracia. Uma meditação única sobre os fantasmas da desigualdade social e da pobreza, uma experiência sensorial onírica que joga com as entranhas do espectador que tem dinheiro para a ir ver ao cinema, ao contrário das pessoas retratadas por Pedro Costa. Cavalo Dinheiro é poesia trágica que dignifica, sem qualquer pretensão, a figura daqueles que a sociedade escolheu ignorar e esquecer.


7º "First Reformed" (2018) - Paul Schrader

É ao cruzar estes Mundos, o da teologia moderna com as problemáticas científicas que raramente chegam à consciência e percepção de determinadas populações, numa tela de remorso e debate interior de personagem, que First Reformed se torna num objecto fílmico de excelência, refrescante na sua apresentação datada, nos seus diálogos ausentes de acção física. O filme não se fica apenas pelo esboço de ideias abstractas e contempaltivas da natureza humana, como fazia Bergman ou Ôzu, deixando o espectador em suspenso nos seus pensamentos durante e após o visionamento dos seus filmes. Aqui, Schrader concretiza essas ideias através das suas personagens, dá-lhes palpabilidade, como faz ao introduzir no seu texto a promiscuidade entre as grandes indústrias, a política, o aquecimento global e a destruição dos ecossistemas.


6º "Inside Llewin Davis" (2013) - Ethan Coen e Joel Coen

Um dos filmes mais subvalorizados da década mas que é por alguns apontado como o melhor. Inside Llewin Davis tem tudo aquilo que caracteriza o cinema dos irmãos Coen. O humor negro, os rostos, o drama do subtexto, mas aqui tudo está em perfeito equilibrio num contexto do folk americano onde Bob Dylan os primeiros passos. É aqui que observamos as personagens mais ricas do cinema dos Coen, entre o bizarro e o anti-herói, numa odisseia ambiciosa do seu protagonista em busca do seu sonho de se tornar um compositor e cantor folk.


5º "Blue Jasmine" (2013) - Woody Allen

Não somos particularmente fãs do cinema de Woody Allen, em especial das suas palermas comédias românticas, mas aqui o realizador decide abandonar esse registo para trazer uma história intensa e séria sobre uma mulher rica que perdeu tudo quando o seu marido foi desmascarado enquanto burlão, entrando numa espiral depressiva de autodestruição. Blue Jasmine é um filme objectivo e pragmático sem cenas supérfluas ou diálogos menos conseguidos. Apesar de tudo isso, é graças a Cate Blanchett que Blue Jasmine se eleva enquanto um dos melhores filmes da década.  A interpretação de Blanchett é uma das melhores de todos os tempos e provavelmente a melhor da década, que apenas confirmou que esta é a melhor actriz no activo actualmente.



4º "Shame" (2011) - Steve McQueen

Hunger é esteticamente o filme mais bem conseguido de McQueen, mas é com Shame que o realizador consegue aliar a profundidade narrativa à sua maravilhosa estética. Fassbender é um homem viciado em sexo em fase autodestruição, confrontado pela chegada da sua irmã à sua bolha existencial. Este é um drama poderoso acerca do amor próprio, uma visão contemplativa e onírica sobre o relacionamento do ego com terceiros, sobre a mancha da privacidade, tudo sob a lente educada de McQueen, o mestre do elogio ao momento, aos elementos, aos rostos.


3º "Black Swan" (2010) - Darren Aronofsky


Somos absorvidamente conduzidos para uma catástrofe que se afigura inevitável, na qual a personagem supera o trágico desafio que lhe foi imposto, culminando numa catarse, num único acto, uma purificação da personagem através do terror e da piedade. O trabalho de câmera trémulo, perseguidor e dinâmico faz com que os espectadores se juntem a Nina enquanto esta dança, seguindo os seus maravilhosos movimentos, sentindo a sua leveza. Esta é a masterpiece mais educada de Aronofsky, capaz de fazer despertar noções de belo de uma forma que provavelmente nenhum outro filme moderno conseguiu antes.


2º "Phantom Thread" (2017) - Paul Thomas Anderson

Apesar das influências dos seus mestres clássicos, Anderson liberta-se na criação e constrói uma identidade própria para Phantom Thread, uma identidade fantasmática visceral, obscura, exacta, fechada, sempre perfeitamente equilibrada, na qual se acompanha o movimento de câmera ao longo das divisões do seu hermético "castelo", das interações das suas personagens, dos seus ruídos, dos seus objectos. Há em cada plano de Phantom Thread uma delicadeza de composição imagética perfeita, proporcional, como se não pudesse ser de outra forma, como se uma gota a menos arruinasse a perfeição, como se tudo tivesse nascido assim na natureza, com uma lógica que até se poderia apelidar de fibonacciana.


1º The Hateful Eight (2015) - Quentin Tarantino





Em The Hateful Eight Tarantino reduz o cinema à pureza da trama, da interpretação, da personagem, em detrimento de explosões, perseguições e grandes cenários. Aqui existem dois: uma diligência e uma estalagem perdida algures no meio de um inóspito Inverno de meados de 1870 nas montanhas do Wyoming, aqui filmadas em película num glorioso formato 70 mm, coisa que já não se usa há 40 anos. Mais uma vez o realizador envia carta de amor ao lendário compositor Ennio Morricone e recicla a cunho próprio o western spaghetti, actualizando-o e dando-lhe uma rara profundidade que rivaliza sem medos com Sergio Leone, ainda que aqui escolha um minimalismo que irá ser reprovado por muitos, mas que, como se compreenderá, é vital para a sua missão que não é de todo só essa.

Relembremos que a decisão de realizar The Hateful Eight após o seu cancelamento devido à fuga do script é proveniente dele ter sido adaptado peça de teatro/leitura pública escrita pelo próprio Tarantino, e como tal é natural que a maior parte da sua acção se foque em apenas um cenário, não sendo por uma mera questão exibicionista (para isso já houve quem filmasse este ano estas mesmas montanhas) que é filmado em 70mm. Por vezes cria-se a ilusão de palco e The Hateful Eight torna-se teatro filmado, até pelas interpretações que oferece dignas desse registo. Os 70mm constroem esse palco na tela do cinema. O filme vive das suas personagens, do seu simbolismo e do seu diálogo, que exprime todo o ressentimento provocado pela Guerra de Secessão, a Guerra Civil que opôs Norte e Sul durante a presidência de Lincoln entre 1861 e 1865, ano em que foi assassinado. Em causa estava a escravatura de negros levada a cabo pelos Estados do Sul e que foi abolida pelo presidente, criando uma rotura dentro dos Estados Unidos. Está lá tudo em The Hateful Eight que não se inibe de utilizar estes fantasmas para por vezes fazer cinema de terror, particularmente através de uma diabólica, quase que possuída, Jennifer Jason Leigh que parece ter saído d’O Exorcista, mas há também vómitos dignos de zombie e isolamento gelado, com Kurt Russel a piscar o olho a The Thing de Carpenter. E não se confunda referência ou homenagem com cópia e apropriação. Tarantino só sabe fazer a primeira. 

Não se pode esperar de The Hateful Eight apenas o espalhafato estiloso e inteligente com que o seu realizador gosta de brindar o público, e é por vezes o próprio público que ironicamente o escraviza quanto a essa insconsciente obrigação de entertainment. Na realidade estes Oito Odiados aproximam-se mais do estereótipo do “cinema minimalista de autor” do que propriamente do show-off (fabuloso) de Pulp Fiction. Isso não o impede de ter também o seu show-off, aqui muito mais simbólico e contido, mas igualmente delicioso.

Há que saber dar valor à genuinidade de The Hateful Eight, ao seu argumento, à sua metáfora, à sua caracterização, às suas interpretações, mas sobretudo ao seu significado quer para o cinema americano e a sua história em geral, quer para a história dos Estados Unidos em si. Este filme é uma das coisas mais necessárias que passaram nas salas de cinema nos últimos anos e, não sendo um produto imediato, só o tempo lhe trará justiça.